Arte urbana e as interfaces tecnológicas
Nos últimos anos, a arte urbana vem se apropriando das inovações tecnológicas como forma de explorar e fortalecer as representações simbólicas e interações humanas na cidade. Em meio à cultura de rede, o urbanismo híbrido e o potencial ambiental das interfaces tecnológicas na contemporaneidade, a arte urbana combinada à tecnologia digital impulsiona a construção de cidades digitais e criativas.
A chamada arte urbana digital ou arte pública midiática utiliza as tecnologias não apenas como uma ferramenta de projeto, mas sim como condição principal da obra de arte, com funcionalidades e particularidades únicas [1]. A partir de então, os recursos tecnológicos são instalados nos espaços públicos ou nas infraestruturas urbanas existentes como forma de expressão artística, criando novas possibilidades perceptivas e de vivências na cidade, de maneira mais interativa e interconectada do que anteriormente, com a arte exclusivamente analógica.
A arte urbana digital pode seguir dois ideais estéticos, o esteticismo e o pragmatismo [1]. Enquanto que o primeiro se preocupa estritamente com a aparência visual e o “espetáculo” das experiências atrativas no ambiente urbano, o segundo utiliza a arte e a tecnologia como potencial criativo das cidades, instrumentos de mudança no espaço público e nas relações que nele acontecem. São as chamadas tecnologias afetivas, sociais e coletivas, que promovem a cultura e a identidade local, encorajam a conexão e o engajamento da comunidade na microescala da rua e buscam novos diálogos, por vezes críticos, com as condições concretas e normalizadas do cotidiano urbano.
Em geral, a maioria dos projetos de arte urbana digital utiliza recursos de iluminação e projeção, com maior visibilidade durante a vida noturna da cidade. Em paralelo, a realidade aumentada, inteligência artificial e a utilização de sensores vêm ganhando espaço em diversos projetos, como apresentado a seguir.
Grafites e painéis com realidade virtual
Desde que a realidade virtual tornou-se um recurso acessível nas telas dos smartphones, os artistas começaram a explorar novos formatos gráficos. Na arte urbana, alguns dos grafites nas empenas cegas ou muros da cidade podem se desdobrar em histórias que vão além de uma pintura estática [2]. Com os aplicativos de realidade virtual, o espectador pode apontar o seu celular para o grafite e assistir a imagem se movimentar, compondo diferentes narrativas urbanas nas estruturas físicas da cidade.
Além dos grafites, a realidade aumentada pode ser utilizada em outros tipos de intervenções na cidade. Em 2014, a iniciativa da Pepsi Max aplicou a realidade virtual em um painel digital de um ponto de ônibus em Londres. O painel exibia uma transmissão em tempo real de diversos eventos incomuns ou personagens inesperados na escala da rua: a aparição de um tigre andando na calçada e até discos voadores que abduziam pedestres. As imagens confundiam e surpreendiam o público no ponto de ônibus, criando experiências divertidas e inusitadas para aqueles que vivenciam o dia-a-dia na cidade.
Playable City e a inteligência artificial
Playable City é uma iniciativa que busca um olhar mais lúdico e divertido do espaço urbano, fazendo uso da arte e da tecnologia em projetos que sugerem uma nova maneira de conectar pessoas por meio do brincar. Por exemplo, o projeto Shadowing, realizado em 2014, em Bristol, e replicado posteriormente em outros locais, reproduzia as sombras dos pedestres em postes de luz instalados em lugares pouco movimentados da cidade.
A sombra do pedestre que passava embaixo do poste de luz era memorizada e, em um intervalo de segundos, reproduzida no feixe de luz. A intervenção provocou diferentes reações aos pedestres que por ali passavam, dentre elas, brincadeiras e danças na calçada para acompanhar as sombras projetadas.
Outro projeto interessante é o Stop, Smile, Stroll, também realizado em Bristol, porém em 2016. Com o objetivo de instigar o bom humor nas cidades, a proposta contava com painéis digitais interativos nas esquinas das travessias dos pedestres. Cada painel emitia frases convidando o transeunte a registrar o seu estado emocional naquele determinado momento. A partir de recursos de inteligência artificial, o painel capturava a expressão facial do pedestre antes dele atravessar a rua. Após a travessia, o indivíduo poderia conferir o resultado de sua expressão previamente calculada em um segundo painel, instalado do outro lado da esquina.
Projetos interativos com sensores
Hoje em dia, é comum observar projetos artísticos interativos com iluminação e sensores de presença nas cidades. A obra Dune, por exemplo, é composta por uma estrutura de luz que ascende conforme um pedestre se aproxima, iluminando o caminho a ser percorrido.
Há também projetos que incluem outros tipos de sensores. Em 2015, o arquiteto Guto Requena revestiu a fachada de um edifício ao lado de uma movimentada avenida de São Paulo com chapas metálicas pixeladas em três diferentes cores. Durante o dia, o prédio não aparentava nada incomum. Porém, ao anoitecer, a pele metálica da fachada ascendia em diferentes padrões luminosos interativos, de acordo com os sensores instalados no prédio.
Um conjunto de sensores captava o nível sonoro ao redor do edifício, alterando em tempo real os parâmetros gráficos das luzes da fachada. Enquanto que um outro conjunto de sensores captava a qualidade do ar, modificando instantaneamente as cores da fachada e indicando o nível de poluição do ar naquele ponto da cidade.
Também foi criado um aplicativo que permitia a interação direta do público com a obra, através do toque na tela ou gravação de voz pelo celular. O projeto ficou conhecido como Criatura de Luz, uma instalação que concebe uma paisagem gráfica na arquitetura do edifício, representando visualmente dados urbanos até então invisíveis.
Já o projeto Hortum Machina B, realizado pelo Interactive Architecture Lab, em 2016, propõe uma escultura de um jardim móvel na cidade de Londres. A proposta baseia-se em uma grande esfera geodésica com um núcleo interno de doze módulos de jardim. Cada módulo é motorizado e conta com sensores que determinam de forma autônoma se as condições ambientais, como luz e água, são adequadas para a conservação das plantas. Caso as condições não estejam favoráveis, o módulo se estende linearmente para fora do núcleo da geodésica, permitindo que a estrutura se movimente pela cidade em diferentes direções em busca de um novo local mais favorável às plantas do jardim.
Referências
[1] WRIGHT, Mark; POP, Susa; AG, Tanya; CALVILLO, Noellia. What Urban Media Art Can Do: Why, When, Where and How. Avedition GmbH, Stuttgart, 2016. ISBN-10: 3899862554 ISBN-13: 978-3899862553
[2] OGUSKO, Thiago Toshio. 2019. Grafite Virtual? Update or Die!, 2021. Disponível em:<https://www.updateordie.com/2019/10/15/grafite-virtual/>. Acesso em: jul., 2021.
Aline de Camargo Barros
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