Um resgate do patrimônio cultural através da tecnologia
Toda cidade carrega em si uma história, o seu patrimônio cultural, uma herança comum e coletiva entre os habitantes. O patrimônio se refere aos elementos da memória social que fundamentam a identidade de um grupo e resgatam os significados do passado, mas que ainda se refletem no momento presente [1]. Esta herança pode ter um caráter material, como os monumentos, objetos e escrituras, e também imaterial e simbólico, como os ritos e mitos comuns de um povo.
Por se associar a memória e identidade social, a preservação do patrimônio cultural é uma forma de registrar e transmitir conhecimentos milenares herdados pelos antepassados. A transmissão de conhecimento gera uma consequente apropriação deste legado por parte das novas gerações [1], que pode sugerir outros desdobramentos a partir de então. Nesse sentido, o patrimônio se configura como parte essencial no desenvolvimento do próprio homem e sua comunidade e na evolução sociocultural das cidades.
Além dos benefícios sociais e intelectuais, a conservação do patrimônio nas cidades produz também benefícios econômicos, atraindo visitantes locais e internacionais a conhecerem as riquezas históricas. A economia turística provoca a criação de novos empregos e um impacto positivo na educação patrimonial e toda a região urbana, tornando-a mais dinâmica e convidativa às pessoas e aos negócios, e assegurando a sua manutenção e qualidade aos cidadãos.
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Os desafios da preservação patrimonial
Apesar de tamanha importância, o patrimônio cultural na maioria das cidades contemporâneas vem sendo ameaçado nas últimas décadas. No contexto brasileiro, por exemplo, a falta de manutenção e conservação das arquiteturas históricas e equipamentos culturais os comprometem ao risco de desabamento ou casos de incêndios, como o caso recente da Cinemateca Brasileira, em São Paulo. O descaso na gestão e manutenção da construção foi um dos principais motivos pelo incêndio do edifício que eliminou um acervo precioso da arte e audiovisual e que jamais poderá ser recuperado.
A descaracterização dos edifícios patrimoniais também é comum na maioria dos centros urbanos, ameaçando não só a conservação da herança sociocultural como toda a estética histórica de determinada região da cidade. A falta de uma educação patrimonial somada às dificuldades de tombamento das construções acaba resultando em roubos ou destruição de partes características de casarões, igrejas e outros monumentos da cidade, ou até a sua total transformação e adaptação a novos usos [1]. O caso da reforma da fachada do casarão histórico na zona sul de São Paulo ficou reconhecido pela descaracterização radical para adaptação a um novo uso do edifício diante das dificuldades do processo de tombamento.
Alternativas inteligentes na preservação do patrimônio cultural
Nos últimos anos, as tecnologias da informação e comunicação vêm sendo aplicadas para contribuir com a educação patrimonial, o registro e documentação e consequente conservação do patrimônio cultural. Nesse sentido, a tecnologia se estabelece como ferramenta auxiliar que complementa as políticas de preservação do patrimônio, fortalecendo a memória e identidade das cidades e de seus habitantes [2]. Em seu artigo, as autoras Dutra e Porto [1] destacam quatro alternativas inteligentes para a preservação do patrimônio cultural, sendo elas:
1) Técnicas de digitalização 3D
Se refere às representações tridimensionais, realidade aumentada e modelagem virtual dos acervos e objetos do patrimônio através da digitalização 3D. O registro virtual do patrimônio auxilia a preservação da herança cultural, uma vez que compõe um banco de dados digital, com dimensões, materiais e formato das peças dos acervos culturais, armazenando essas informações de forma mais segura e precisa do que em meio analógico. Com esses dados é possível, por exemplo, a construção de réplicas das obras ou até a reconstrução dos bens originais.
Além do mais, a digitalização dos acervos compõe a criação de coleções virtuais, acessíveis também em plataformas online para a população. Dessa forma, o registro do patrimônio no meio digital contribui para a disseminação do conhecimento e memória social, principalmente em relação às pesquisas e à educação patrimonial das novas gerações, cada vez mais conectadas.
O Laboratório de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Mato Grosso, realiza diversos trabalhos neste âmbito. Em um de seus projetos, a equipe digitaliza peças que integram o acervo do Museu de Arte Sacra de Mato Grosso por meio da modelagem tridimensional ou técnicas de fotogrametria digital, permitindo a construção de réplicas e reconstrução dos objetos com impressões 3D.
Fonte: Lab.AU Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/lab.au_ufmt/.
2) Building Information Modeling (BIM)
A tecnologia BIM se refere a um modelo de informação para edificações, permitindo o acesso aos dados sobre as construções de forma precisa, ágil, organizada e consistente, desde a sua fase de planejamento e construção até a manutenção e restauro.
As informações das edificações junto ao BIM geram arquivos eletrônicos que auxiliam na gestão da preservação do patrimônio. O acompanhamento dos dados através do recurso BIM pode resultar, por exemplo, em um mapa de danos do edifício ou um diagnóstico do estado de conservação do acervo, que ajudam a determinar as diretrizes de intervenção no edifício para lidar com problemas estruturais, de irregularidade elétrica, etc [2], evitando os possíveis danos e riscos ao patrimônio cultural.
3) Aplicativos para gestão participativa
A alta conectividade da população torna-se um aspecto favorável à criação de aplicativos com recursos de crowdsourcing que fomentam a troca de informações entre as pessoas em tempo real. Com os aplicativos, visitantes de museus, por exemplo, podem notificar alertas do estado de conservação das obras em exposição; cidadãos e turistas conseguem indicar a necessidade de reparo e manutenção de monumentos implantados na cidade.
A troca de informação sobre o estado de preservação do patrimônio em tempo real entre os usuários dos aplicativos instiga a conscientização da importância da preservação, tornando as pessoas mais vigilantes e interessadas no assunto e, portanto, mais participativas no desenvolvimento da memória e identidade social.
4) Sensoriamento do ambiente
Refere-se à aplicação de sensores para capturar e monitorar dados do ambiente construído ou dos objetos do acervo, atuando como um dispositivo de segurança adicional do patrimônio cultural. É muito comum, por exemplo, a utilização de sensores que permitem acompanhar a temperatura das salas de museus para a conservação de seu acervo.
Atualmente, há uma série de diferentes tipos de sensores, como os de luminosidade, radiação ultravioleta, condensação em parede, qualidade do ar e detectores de incêndios [1]. Em sua maioria, os sensores se conectam em uma rede e utilizam recursos como a Internet das Coisas e análise e armazenamento de dados.
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Referências
[1] DUTRA, L. F.; PORTO, R. M. A. B. Alternativas inteligentes para a preservação do patrimônio cultural no contexto das smart cities. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 372-390, 4 out. 2020. DOI:http://dx.doi.org/10.26512/rici.v13.n1.2020.26210.
[2] BRANDÃO, Luísa S. R. O uso de Tecnologias de Informação baseadas em mídias digitais visando a preservação do patrimônio histórico. Anais do 11º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, [S.L.], v. 1, n. 4, 12 p., Editora Edgard Blücher: dez. 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.5151/designpro-ped-00699.
Aline de Camargo Barros
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