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Sistemas regionais de inovação, clusters e economia do conhecimento

Olá, tudo bem? Hoje apresento um artigo clássico sobre sistemas regionais de inovação (SRI), escrito pelo autor Philip Cooke. Cooke foi o responsável por dar origem a esta abordagem em 1992, após estudar casos regionais de sucesso. Dessa forma, em 2001, o autor escreveu o artigo intitulado sistemas regionais de inovação, clusters e economia do conhecimento, no qual apresenta condições e critérios para o estabelecimento de SRIs. Este artigo foi tema do nosso grupo de estudos esta semana, e portanto, descrevo aqui suas principais contribuições.

A origem

Cooke (2001) revela que a abordagem de sistemas regionais de inovação surgiu da ciência regional e da geografia econômica. Seu primeiro uso data de um artigo publicado por Cooke (1992) e revisado de maneira semelhante a seguir por Braczyk et al., (1998) e Cooke (1998). Ao conceito de sistema nacional de inovação, criado por Lundvall e Freeman na década de 80, e desenvolvimento regional, por exemplo, Okaey (1979) e Rees (1979), Cooke adicionou o contexto regional. Assim, apontou para uma abordagem que considera a interação sistêmica de atores regionais baseados no conhecimento.

Resumidamente, Cooke foi fortemente influenciado em sua pesquisa por Thomas (1975). Thomas, um cientista regional, por sua vez, se baseou nos estudos de Perroux (1955), sobre “Polo de Crescimento”. Perroux, desenvolveu tal teoria apoiado em Schumpeter e em Dahmén (1950). Como conhecimento, Dahmén (1950), criou o conceito de “blocos de desenvolvimento”, que posteriormete serviria para Porter (1998) formular o conceito de Clusters.

Cooke também foi influenciado por Rees (1979) que criou o conceito de “ciclo de vida regional”. Cooke e Rees são naturais do País de Gales, o qual estava no fim de um ciclo de vida regional. Ao estudar a política de “technopole” na França, Cooke fez duras críticas ao modelo. Isso, devido a falta de desenvolvimento de redes sistêmicas. Assim como, pensamento linear, centralizado e hierárquico. Dessa forma, este modelo não poderia ser aplicado em Gales como forma de reestabelecer a economia.

Emília-Romagna

Foi então, ao estudar outras regiões do mundo, que Cooke descobriu a “terceira Itália” na região de Emília-Romagna. Este modelo se baseava no valor das redes interfirmas e das políticas regionais. Apresentava, também, forte colaboração e cooperação, ao invés de competição. Dessa forma, Cooke e colaboradores encontraram um modelo alternativo ao technopole, não linear, descentralizado e heterárquico. Assim, posteriormente, Emília-Romagna viria a ser conhecida como um verdadeiro sistema regional de inovação.

Figura 1: Mapa da região de Emillia Romagna.

Fonte: googlemaps

Após mencionar a região de Emília-Romagna na Itália, Cooke (1992) descreve um dos sistemas regionais de inovação mais completos do mundo, oriundo de Massachusetts, descrito no próximo tópico. Dessa forma, revela como os Estados Unidos tem SRIs baseados no investimento privado, com forte atuação do mercado, enquanto que na Europa, há uma excessiva contribuição do poder público.

Lineamentos de sistemas regionais – pensando em inovação

O futuro é visto como exigindo a ampla evolução dos sistemas públicos de apoio à inovação e sua complementação por um forte apoio institucional e organizacional do setor privado (Cooke, 2001, p.946).”

Cooke (2001) descreve um dos sistemas regionais de inovação com maior sucesso no mundo voltado para o desenvolvimento da biotecnologia. Dessa forma, cita o caso da empresa americana Genzyme, líder em seu setor, sediada em Cambridge e em outros locais de Massachusetts, que trabalha em estreita colaboração com diversos atores.

Por exemplo, com políticos capazes de garantir fundos para pesquisa e professores seniores de Harvard presentes no Comitê Consultivo para Parceiros. Há interação local com o escritório da Food & Drug Administration (FDA). Além disso, se necessário, serviços jurídicos e financeiros especializados estão disponíveis na região metropolitana. Assim como, instalações especializadas em incubação de biotecnologia e parques tecnológicos.

Existem cerca de 280 outras empresas de biotecnologia na área e o ambiente de negócios é científico e empresarial. A colaboração e contratação científica e comercial são pronunciadas. Este é um dos principais sistemas regionais de inovação em cluster e setoriais do mundo. Assim, Cooke (2001) destaca as interações institucionais e organizacionais em todo o estado de Massachusetts em uma ampla gama de configurações de parceria.

O sistema conceitual e o sistema real

Cooke (2001) diferencia o sistema conceitual do sistema real. Assim, considera para o primeiro idealizações óbvias como “concorrência perfeita”, “equilíbrio”, “o mundo real é apenas um caso especial” e assim por diante. Já para o segundo, é um sistema realmente existente, com todas as suas falhas e complexidades. Dessa forma, o primeiro só tem duas condicões, existe ou não. Enquanto que o segundo pode ser “mais ou menos”. É apartir do sistema real que Cooke analisa os SRIs.

Para tanto, desenvolveu cinco conceitos-chave para análise:

  • Região: uma unidade política entre os níveis nacional e local que possui certa autonomia;
  • Inovação: baseado no conceito neoschumpeteriano, onde a inovação ocorre a partir da geração do conhecimento;
  • Rede: conjunto de vínculos recíprocos baseados em cooperação entre atores;
  • Aprendizagem: aprendizado institucional, onde novos níveis e tipos de conhecimento podem ser incorporados nas rotinas e convenções das empresas;
  • Interação: meios regulares de reuniões formais e informais ou comunicação focada na inovação no nível regional.

Comparação País de Gales com a região alemã Baden-Wiirttemberg

Baseados nestes 5 conceitos supracitados, Cooke e Morgan (1990, 1993, 1994) compararam o Paíse de Gales com a região alemã Baden-Wiirttemberg. Na região alemã se encontra uma empresa líder automotiva chamada Mercedes-Benz. Assim, como resultado da comparação, perceberam que Baden-Württemberg era um exemplo claro de um SRI heterárquico. Lá, as empresas tinham muitas relações verticais e horizontais, de mercado, fora do mercado e de confiança. Portanto, tinham relacionamentos com intermediários e departamentos governamentais, que trabalhavam por meio de redes.

Por outro lado, no País de Gales o papel do Estado era muito mais forte. Foi criada uma agência de desenvolvimento econômico com base no modelo Japonês e não americano. O que Cooke considerou um erro. Assim, 60 empresas japonesas foram atraídas para Gales. A partir disso, uma estratégia regional de inovação foi produzida com o envolvimento total da indústria. Universidade e centros de pesquisa também foram convidados a participar. Agências estatais coordenavam todas essas políticas e a promoção sistêmica era um tanto hierárquica.

No entanto, o foco numa indústria madura ao invés de criar um ambiente empreendedor inovador baseado na nova economia foi o grande problema da região, como aponta Cooke. No país, empresas como Sony e Panasonic estavam diminuindo o ritmo de crescimento. Assim, Cooke (2001) criticou fortemente o incentivo para uma economia já tradicional. Ao invés de procurar fomentar uma cultura de empreendedorismo e inovação radical como ocorria nos Estados Unidos, principalmente no Vale do Sílicio.

Apartir deste caso, constatou que existem muito mais regiões na Europa e em outros lugares com uma história semelhante à do País de Gales do que Baden-Württemberg. Por exemplo, em 11 regiões da União Europeia na época, 4 possuiam bons SRIs. Além dos supracitados Emilia-Romagna e Baden-Württemberg, País basco na Espanha e Estíria na Áustria.

Condições e critérios para sistemas regionais de inovação

Com base em seus estudos, Cooke definiu dois critéiros principais para definir um sistema regional de inovação:

1 – Questões de infraestrutura: corresponde a competência financeira regional. Poder ser composta tanto de orçamento público como investimento privado. Também versa sobre o tipo de autonomia para destinação de recursos, como a competência da região para definir políticas estratégicas de inovação.

2 – Questões Superestruturais: corresponde as mentalidades entre os atores regionais ou a ‘cultura’ da região. Este é um nível mais intangível. Fazem parte deste critério três niveis: institucional, organizacional para as empresas e organizacional para a governança. Este item define o grau de integração da região, geralmente baseado num relacionamento em rede.

Com base nesses critérios, Cooke (2001) definiu maior e menor potencial para o SRI.

Quadro 1: Maior e menor potencial de SRI

Maior potencial SRI

Menor potencial de SRI

Nível de infraestrutura

– Tributação e gastos autônomos; Finanças regionais privadas; Influência da política na infraestrutura; Universidade regional Gastos descentralizados; Organização financeira nacional; Influência limitada na infraestrutura; Projetos de inovação fragmentados

Nível superestrutural

Dimensão institucional

Cultura cooperativa; Aprendizagem interativa; Consenso associativo Cultura competitiva Individualidade Dissensão institucional

Dimensão organizacional (empresas)

Relações trabalhistas harmoniosas; Tutoria dos trabalhadores; Externalização e Inovação interativa Relações laborais antagônicas; Habilidades adquiridas; Internalização; P&D independente

Dimensão organizacional (política)

Inclusiva; Monitorada; Consultivo; Trabalho em rede Hierárquica autoritária de reação exclusiva

Fonte: Cooke (2001)

Problemas com os sistemas regionais from the inovação públicos

Cooke (2001) citou o exemplo da TIC e da biotecnologia voltados para a “nova economia” nos EUA como um sistema regional de inovação exemplar. Esses locais, segundo o autor, dependem de fundos públicos de pesquisa, mas a exploração e comercialização é realizada por empresas. Assim como, nas grandes cidades e nas proximidades, encontra-se uma rica infraestrutura privada de apoio à inovação, em setores da ‘nova economia’. No entanto, mesmo com esta nova economia o espaço continua a exercer influência enquanto o talento permanecer escasso. Principalemnte porque a tecnologia facilita, mas não substitui a interação social próxima para fins de inovação.

Por sua vez, na Europa existe uma forte natureza pública, com órgãos de transferência de tecnologia, parques científicos, financiamento de parcerias, vinculação da inovação às relações hierárquicas da cadeia de suprimentos e forte ênfase incremental orientada ao usuário. Desse modo, Cooke (2001) propõe um novo sistema de inovação econômica (NEIS) baseado em capital de risco e clusters privados, como ocorre nos EUA. Assim, cita a criação de startups por meio de capital de risco, focadas no mercado incremental e disruptivos, financiadas por ofertas públicas iniciais e com incubadoras internas, como características deste novo sistema econômico.

Conclusão

Cooke (2001) é claro ao revelar que sistemas públicos de inovação, não são competitivos com os sistemas privados que operam nos Estados Unidos. As regiões com desempenho econômico elevado possuem sistemas de inovação de grande sofisticação, mas lideradas pelo mercado. Assim, há capital de investimento abundante e lugares para investi-lo. Existem mecanismos regulatórios que cobrem itens como opções de ações que oferecem maiores incentivos do que normalmente ocorre na Europa.

No entanto, parece que 18 anos depois, o desejo de Cooke ainda não se concretizou. Desse modo, a Europa ainda adota um modelo financiado na sua maior parte por recursos públicos, por meio da Comissão Europeia. Assim, fundos de investimento à inovação são operados por meio da Estratégia Regional de Inovação, atualmente chamada de especialização inteligente, para promover os sistemas regionais de inovação do velho continente. Além disso, outros gigantes surgiram nesse cenário, como a Coréia do Sul e a China, com modelos econômicos diferentes e que avançam rapidamente.

Tem post meu sobre a estratégia regional de inovação da UE que você encontra aqui.

Você também pode encontrar post sobre a China aqui.

Referências

COOKE, Philip. Regional innovation systems, clusters, and the knowledge economy. Industrial and corporate change, v. 10, n. 4, p. 945-974, 2001.

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Guilherme Paraol

Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) e membro do grupo de pesquisa VIA - Estação Conhecimento. Realiza pesquisas com foco em ecossistemas de inovação. Atua em diversos projetos de inovação.