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Por quem dobram os sinos da Catedral de Santa Sofia de Kiev?

Em tempos sombrios para a humanidade tomo emprestado o título da obra de Ernest Hemigway, “Por quem os sinos dobram” (narrativa de um dinamitador na Guerra Civil Espanhola), para fazermos uma pergunta em nome de todos os patrimônios mundiais reconhecidos pela UNESCO, que em algum momento foram “vítimas” da ausência da memória coletiva, de governos fracos e de ditaduras promotoras de Guerras armadas que pilharam ou destruíram a riqueza cultural de seus adversários.

Sabe-se que a cultura é um dos principais recursos de uma sociedade. Em termos conceituais, tem uma dimensão parcial e global com “(…) constante e ampla gama de ênfases relacionais”. (Williams, 2000, p. 12). É reflexo de uma construção histórica, em que os recursos e processos empregados na identidade de um grupo se perpetuam e incorporam como valor cultural.

Valor da Cultura

O valor da cultura é reflexo de resultados positivos originados através dela em decorrência da ampliação de benefícios que geram. Como exlica Throsby (2001), esta valorização se produz dentro de um universo moral e social. Pode ser mensurada pela satisfação gerada considerando os elementos que caracterizam o valor cultural como: o valor estético, o valor espiritual, valor social, valor histórico, valor simbólico e valor de autenticidade.

O entendimento do valor da cultura é fundamental para identificarmos as iniciativas e ações que protegem e valorizam a historicidade e memória de uma sociedade. Uma das principais iniciativas é a da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO) para a manutenção dos equipamentos e locais de amplo e profundo valor cultural através do reconhecimento como Patrimônio Mundial. Este compreende uma área, sítio ou região considerada pela comunidade científica de inigualável importância para a humanidade. Também se incluem na Lista do Patrimônio Mundial manifestações, rituais, entre outros que tem seu valor histórico, arqueológico, natural, ambiental ou um conjunto desses fatores reconhecidos pela UNESCO, que possui um protocolo exclusivo na orientação para o reconhecimento de um patrimônio mundial.

Patrimônio Mundial, identidade e memória

Antes de um reconhecimento multilateral, mais importante, primeiro é o impacto do reconhecimento em esfera local de um patrimônio histórico. Segundo, o vínculo de uma identidade coletiva com a memória histórica construída naquele lugar. Terceiro, reflexo no exercício de cidadania e maturidade democrática de um grupo social. Neste sentido, a chancela de um reconhecimento mundial representa o fortalecimento da manutenção deste patrimônio, que passa a ser resguardado pelo Direito Humanitário. Portanto, qualquer destruição intencional e direta de um patrimônio cultural em determinado território em tempo de guerra é crime de guerra e deve ser tratado como tal (Soares, 2018).

Diariamente, acompanhamos a destruição de bens culturais na Guerra entre Ucrânia e Rússia. Assistimos ao vivo, o genocídio cultural de um país, com ataques aéreos sobre áreas com profundo valor cultural para os cidadãos ucranianos. Os quais com persistência e bravura lutam pela manutenção de suas vidas e do legado cultural do país através da resiliência expostos nos esconderijos subterrâneos e na proteção de locais protegidos pela Resolução 2347 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas com o intuito, respectivamente de proteger a si e a história cultural do país.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=GpeeQ7RH8Mo

A Catedral de Santa Sofia de Kiev

A Catedral de Santa Sofia é um dos monumentos mais conhecidos da cidade de Kiev e foi o primeiro patrimônio ucraniano inscrito da Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. Hoje em dia, é um dos monumentos mais conhecidos da cidade e o primeiro patrimônio ucraniano inscrito da Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO.

Santa Sofia teve cinco critérios reconhecidos como:

a) conquista artística única, arquitetura e decoração excepcional;

b) influência construtiva;

c) mosaicos e afrescos representando eventos históricos;

d) exemplar único quanto às influências;

e) simboliza a “Nova Constantinopla”.

Também está na Lista do Patrimônio Mundial, o Arco Geodésico de Struve, parte das florestas primárias e antigas de faias, a Catedral de Kiev Perchersk Lavra ou Mosteiro das Cavernas como patrimônios mundiais. Santa Sofia é herança cultural da Ucrânia e recurso material da memória coletiva da formação histórica da Ucrânia.

Catedral de Santa Sofia de Kiev – Wikipédia, a enciclopédia livre

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Catedral_de_Santa_Sofia_de_Kiev

A resistência da Catedral de Santa Sofia é também a resistência dos soldados, das pessoas em esconderijos subterrâneos, das crianças órfãs de Guerra, das mães e esposas, em travessias migratórias distantes de seus lares amparadas em esperanças vulneráveis num frio gélido de uma fronteira amiga.

Resistência e resiliência como recursos de reconstrução e restauração

A resistência da cultura de um povo também é a resistência de todo bem coletivo da humanidade reconhecido como Patrimônio Mundial. Nos tempos de promoção para a Paz é o elemento de coesão, restauração (material) e reconstrução social.

Por quem os sinos dobram? – Peço emprestado de um dos meus ídolos da literatura, Ernest Hemingway, o título da premiada obra que utiliza o poema de J. Donne para inspirar reflexões profundas sobre o sentido da Humanidade em qualquer tempo da nossa existência.

Nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente,

uma parte da terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa,

como se todo um promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu,

ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui,

porque eu pertenço à Humanidade.

Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram.

Eles dobram por ti” (Poema de J. Donne).

 

É este o sentido que inspira a reconstrução e restauração da cultura como valor de uma sociedade. Em breve, dobrem os sinos ilesos da Catedral de Santa Sofia de Kiev para o cessar-fogo.

Referências

Soares, A. (2018). Destruição do patrimônio cultural: crime de guerra. Via iuris (25), 1-30.

Thorsby, D. (2001). Economía y cultura. Cambridge University Press.

Williams, R. (2000). Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2ª ed.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Patrim%C3%B3nio_Mundial#Lista_dos_pa%C3%ADses_com_10_ou_mais_s%C3%ADtios_inclu%C3%ADdos_como_Patrim%C3%B4nio_Mundial

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Fabiane Frois B Weiler

Pesquisadora em Estágio doutoral no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC), Doutora em Desenvolvimento Regional e Economista. Tem como foco pesquisas no campo de políticas e gestão do conhecimento, economia criativa e inovação voltados para o desenvolvimento, planejamento urbano e regional. Atualmente, atua em projetos e consultoria através da https://tropicalialabdobrasil.com.br - empresa para cursos, soluções e conteúdo com foco interdisciplinar na economia, cultura e inovação.