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Entrevista com Cidade Ativa: “hoje há uma tomada de consciência sobre o papel dos cidadãos”

Rafaella Basile, arquiteta urbanista formada pela USP e coordenadora de projetos e pesquisas do Cidade Ativa desde 2014.

No início de maio, a convite do Movimento Traços Urbanos, Rafaella esteve em Florianópolis para evento no Museu da Escola Catarinense sobre a transformação da paisagem urbana em São Paulo. Durante o evento, entrevistamos a representante do Cidade Ativa e abordamos pontos importantes da experiência da organização em aspectos como protagonismo cidadão, revitalização urbana e engajamento civil.

 

 

O que é o Cidade Ativa?

É uma organização social que surgiu em 2014, em São Paulo, com a ideia de discutir o papel da cidade na qualidade de vida das pessoas. Entendemos que o ambiente construído tem papel muito importante no modo como as pessoas vão usar a cidade, em como vão se apropriar dela. Nosso objetivo é incentivar e fomentar cidades mais ativas, cidades que convidem seus cidadãos a serem mais ativos, desenvolverem hábitos mais saudáveis e a se apropriarem dos espaços públicos.

O que fez com que o Cidade Ativa surgisse?

Houve uma inspiração em um movimento criado nos EUA chamado active design, ou desenho ativo, o qual buscava discutir modos de desenhar e remodelar as cidades para que as pessoas se sentissem mais incentivadas a desenvolver hábitos saudáveis. Surgiu dentro da prefeitura de Nova York onde uma de nossas fundadoras, a arquiteta Gabriela, trabalhou. No retorno ao Brasil essa discussão ainda não estava em pauta no país, de forma que passamos a discutir esse conceito e trabalhar em ações em São Paulo.

O que torna uma cidade ativa?

A cidade ativa é uma cidade pensada e desenhada para que a experiência de quem está usando aquele espaço seja a melhor possível.

 

 

O que diferencia o conceito “cidade ativa” dos demais conceitos no filão de cidades do futuro (cidades criativas, cidades sustentáveis, cidades inteligentes, etc.)?

O que pensamos é que uma cidade ativa pode ser todas essas outras cidades, pois ela é inclusiva, democrática, inteligente, saudável. Ela é a mesma cidade, mas a partir de um outro ponto de vista. A ênfase na característica “ativa” vem do incentivo aos hábitos mais ativos dos cidadãos e ao mesmo tempo do seu empoderamento para que eles atuem no espaço.

E qual é o papel da comunidade na transformação de uma cidade em cidade ativa?

As ações do Cidade Ativa sempre são co-criadas, ou seja, envolvemos na transformação as pessoas que estão no entorno e que realmente utilizam aquele espaço. É importante que as pessoas participem desse processo de mudança, sintam que faz sentido para elas e que no futuro possam fazer a zeladoria desses novos espaços para que eles realmente perdurem na comunidade.

Que tipo de ações poderiam ser realizadas para engajar os cidadãos?

Percebemos a importância de fazer o engajamento diretamente nos espaços públicos. Por exemplo: se queremos transformar uma escadaria, então a escadaria deve ser utilizada para fazer esse engajamento, convidando as pessoas que passam por ali para fazer parte. Uma das estratégias é fazer uma festa, algo convidativo, que faça as pessoas se interessarem por estar naquele espaço, e então podemos entender o que elas querem, perguntar e compreender que mudança elas veem ali. O que poderíamos fazer juntos para melhorar?

 

 

Como é a fase posterior à ação do Cidade Ativa?

Sempre tentamos fomentar de alguma maneira a criação de um grupo com as pessoas que estão envolvidas no projeto para que a transformação perdure. Entretanto, isso depende das questões culturais de cada comunidade. Em alguns locais não há espaço para troca e contato entre os vizinhos e moradores, então precisa ser criado, mas em outros há uma série de ações e movimentos que apenas precisam ser coordenados para que haja o uso e manutenção do espaço.

Quais foram os resultados que vocês viram até agora?

Tentamos sempre medir de alguma forma quais os resultados dos projetos que fazemos, para verificar se isso realmente mudou a vida das pessoas, se elas estão passando mais por aquele local, se estão usando mais aquele espaço público, qual o impacto dessa intervenção.

Temos um projeto chamado “Olhe o Degrau”, para a requalificação de escadarias. Foi um dos nossos primeiros projetos e funciona até hoje. Escadarias públicas geralmente são espaços abandonados, degradados, onde há uma oportunidade muito grande de trazer esses espaços de volta para a vida das pessoas. Essas escadarias geralmente são atalhos muito importantes para outros espaços e que os cidadãos deixam de usar por medo e insegurança. Se retomados, temos pessoas mais ativas caminhando, temos espaços de permanência onde elas podem sentar e interagir. Foi uma iniciativa que deu muito certo em diferentes bairros da cidade.

 

 

Quais são as maiores dificuldades para transformação de uma cidade em ativa?

São muitas dificuldades. Para começar existe uma barreira de recursos, a qual pode ser vencida de diferentes maneiras, como por doações, parcerias, mutirão da comunidade para arrecadar, entre outros. Em outra perspectiva, há ausência de coordenação da transformação, embora as pessoas tenham vontade de contribuir e colocar a “mão-na-massa”. Assim, o que fazemos no Cidade Ativa é, de certa maneira, deixar esse passo a passo compreensível para que as pessoas possam atuar. Nesse sentido, também é essencial a criação de conceitos, pois pessoas diferentes têm visões diferentes. Para isso criamos ferramentas que podem apoiá-las na definição desses conceitos que nortearão as ações e permitirão que todos possam ficar satisfeitos com o resultado.

 

 

O cidade ativa está conectado a outros movimentos sociais?

Estamos conectados com diversos movimentos em São Paulo, nesse momento principalmente os voltados à melhoria da mobilidade urbana, discutindo o papel do pedestre nas cidades e como podemos priorizá-los nos espaços públicos. Participamos de um projeto chamado Como Anda, pois havia a necessidade de mapear e entender o que diferentes grupos estavam fazendo com esse objetivo e, assim, cada um pudesse coordenar melhor suas ações. Nesse processo, foram mapeadas 140 organizações que trabalham esse tema, construindo uma rede de movimentos, organizações, grupos e coletivos que trabalham em prol dos pedestres de diferentes maneiras. Assim compartilhamos e nos comunicamos em rede.

Quais ações ou projetos trazem de fato uma novidade?

O papel da sociedade civil na construção das cidades. Passamos muitas décadas vendo o poder público como o grande agente, o principal agente de transformação das cidades, e o que temos hoje é uma tomada de consciência sobre o papel dos cidadãos, os quais podem ser atores e liderar esses movimentos também. Não precisamos esperar o poder público fazer tudo, podemos nos juntar aos nossos vizinhos, à nossa comunidade e transformar a cidade, fazer aquela cidade em que acreditamos.

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É advogada urbanista, pesquisadora, mestre e doutoranda pela Universidade Federal de Santa Catarina com estágio doutoral na Sapienza Università di Roma. Atua na intersecção entre cidades, inovação e sustentabilidade. agathadepine@gmail.com