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Onze eixos da cidade inteligente – uma visão geral

Para gerenciar a complexidade de uma cidade inteligente de forma integral e holística, pesquisadores costumam estruturar seus elementos em dimensões e características específicas. Alguns planos de cidade inteligente também são estruturados em eixos principais ou áreas de foco, customizadas para o contexto e o objetivo final, como sustentabilidade ambiental ou mobilidade urbana, por exemplo.

Nesse âmbito, a pesquisa de Giffinger et al (2007) foi pioneira, sendo seu resultado a base para o igualmente pioneiro Ranking European Smart Cities. Os autores desenvolveram uma metodologia de avaliação das cidades baseada em seis principais dimensões: economia, capital humano, governança, mobilidade, meio ambiente e estilo de vida. Essa estrutura em seis dimensões foi bastante difundida nos anos seguintes e, se inspirando nessa referência, pesquisadores, autores e planejadores criaram novas e customizadas estruturas com o mesmo propósito.

A cidade inteligente é “um ecossistema de inovação urbana impulsionado pelo uso de tecnologias da informação e comunicação, as TICs, coordenadas de forma equilibrada junto à infraestrutura da cidade para aumentar a eficiência de seu sistema, dos serviços e da gestão urbana e, consequentemente, oferecer melhor qualidade de vida aos cidadãos” (DEPINÉ; TEIXEIRA, p. 24, 2021). Pensando no alcance desse propósito, criamos uma estrutura de referência para os eixos de uma cidade inteligente, levando em consideração as particularidades do contexto brasileiro, como a maior necessidade de segurança e saúde – elementos geralmente pouco explorados em estruturas europeias ou norte-americanas, e a falta de valorização do patrimônio cultural das cidades.

Nossa estrutura foi baseada em uma revisão de literatura sobre o tema e inclui os principais sistemas de classificação de eixos inteligentes propostos na literatura científica até o momento. Como resultado, definimos onze eixos que devem operar em sinergia para o sucesso de uma cidade inteligente: economia, educação, pessoas e comunidades, governança, meio ambiente, mobilidade, segurança, saúde, cultura, infraestrutura e tecnologia. Destes, os últimos dois são considerados transversais e incorporados aos demais. Confira a estrutura abaixo:

 

A tecnologia e a infraestrutura estão presentes em todos os eixos. A tecnologia é o fator que possibilita a transformação dos outros eixos em “inteligentes”. Já a infraestrutura engloba os recursos e condições básicas para o funcionamento de cada um dos nove outros eixos. Em termos gerais, podemos dizer que ambos são, de certa forma, formas de infraestrutura. De um lado temos a infraestrutura tecnológica, que é essencial em uma cidade inteligente, e do outro, a infraestrutura tradicional, que é fundamental para o bom funcionamento de qualquer cidade, seja inteligente ou não.

Um modelo de referência como esse, em eixos ou dimensões, pode ser uma ferramenta importante para pesquisadores, planejadores, gestores e políticos envolvidos em projetos de cidade inteligente. Abaixo, apresentamos os nove demais eixos que consideramos decisivos para o desempenho e funcionamento de uma cidade inteligente:

1 Educação

O conjunto de práticas, elementos e políticas que visa promover a formação de cidadãos e prepará-los para a vida em uma cidade inteligente, desde a participação pública até o ingresso no mercado de trabalho e economia local. Para atingir esta finalidade, ele abrange a qualidade do sistema educacional, as políticas educacionais, as oportunidades para estudantes e professores por meio da tecnologia, o desenvolvimento de habilidades com TICs, a qualidade das interações sociais, a redução de barreiras na aprendizagem social e participação, o investimento em capital humano e talento e a formação contínua da população.

Elementos centrais: aprendizagem, talento e capital humano.

2 Economia

Economia competitiva e em crescimento, com base no empreendedorismo, inovação e produtividade. Esta abordagem estimula a criação de oportunidades, soluções e empregos, fortalece os negócios e produtos locais e promove a cooperação entre diferentes atores, visando um impacto nacional e internacional. Além disso, torna o ambiente atrativo para talentos e investimentos, permitindo o desenvolvimento contínuo da cidade. O uso da tecnologia é refletido em negócios digitais, comércio eletrônico, habitats de inovação, bem como em produtos e serviços baseados em TICs.

Elementos centrais: inovação, empreendedorismo e competitividade.

3 Pessoas e comunidades

Pessoas e comunidades são os principais destinatários e também os mais afetados pelos resultados, tanto positivos quanto negativos, de uma cidade inteligente. Eles são atores-chave no contexto urbano e, por isso, precisam se tornar conscientes, participativos e decisivos para fortalecer a coesão social e equilibrar os desejos e necessidades de todos os membros. Para isso, são necessárias condições sociais favoráveis, como diversidade, inclusão, educação, entretenimento, integração, colaboração, acesso a serviços e utilidades, comodidades, e promoção da criatividade e inovação urbana.

Elementos centrais: consciência, colaboração e coesão social.

4 Cultura

Tenciona valorizar, preservar e conduzir o patrimônio cultural tangível e intangível da cidade, fortalecer a identidade local, conservar a memória urbana e garantir a gestão de sua herança e legado com o apoio das TICs.

Elementos centrais: valorização, preservação e identidade.

5 Meio ambiente

Compreende a proteção, cultivo e gestão dos recursos naturais, das condições ambientais e da paisagem da cidade. Além disso, aplica tecnologias inovadoras para melhor utilizar, conservar e atingir metas de sustentabilidade. Este eixo considera o comportamento do cidadão e as oportunidades que podem ser exploradas, avaliando também os serviços e a infraestrutura urbana a partir desta perspectiva. Assim, é importante aplicar medidas e aumentar a conscientização sobre o meio ambiente.

Elementos centrais: sustentabilidade, preservação e gestão.

6 Governança

Estrutura que conduz e apoia o desenvolvimento, a implantação e o desempenho da cidade inteligente, por meio de diferentes mecanismos, serviços e partes interessadas.Ela é formada pelas instituições locais, incluindo públicas, privadas e da sociedade civil organizada, além de políticas, estratégias, leis e normas, planejamento urbano e territorial, gestão pública e serviços oferecidos à população. Sobretudo, se vale do acesso à informação e da transparência, promovendo a participação cidadã na tomada de decisões e na criação de serviços e soluções para uma melhor qualidade de vida urbana. Em uma cidade inteligente, a governança implica o uso de tecnologias de informação e comunicação para impulsionar suas estratégias, como governo eletrônico, dados abertos, monitoramento da cidade, comunicação de informações, democracia digital e serviços públicos eletrônicos disponíveis.

Elementos centrais: transparência, participação e comunicação.

7 Mobilidade

Refere-se à acessibilidade local, nacional e internacional, abrangendo sistemas, infraestrutura de transporte e logística, os modos de deslocamento pela cidade e emprego extensivo de TICs em sua gestão, desempenho e aprimoramento, buscando maior segurança, sustentabilidade e eficiência.

Elementos centrais: acessibilidade, transporte e logística.

8 Segurança

Visa proteger os cidadãos, seus bens e enfrentar os desafios de segurança urbana. Para isso, há a participação ativa de organizações públicas, da força policial e da sociedade civil organizada. A tecnologia é usada como uma aliada nos sistemas de vigilância, redes de serviços de emergência, resposta à emergências, coleta e monitoramento de informações para prevenção de crimes e distribuição de informações em tempo real aos departamentos de polícia e bombeiros.

Elementos centrais: monitoramento, vigilância e proteção.

9 Saúde

Estrutura de entidades, instalações e serviços que garantem os cuidados de saúde da população urbana e impactam seu bem-estar, qualidade e expectativa de vida. Abrange não apenas os cuidados de saúde tradicionais, mas também os cuidados e serviços apoiados por tecnologias de informação e comunicação (TICs), tais como aplicativos de saúde para smartphones, técnicas de análise de dados, dispositivos inteligentes e assistência remota.

Elementos centrais: assistência, qualidade e expectativa de vida.

Os eixos que compõem a vida urbana são complementares e interdependentes, tornando difícil o endereçamento de seus elementos e características a um só domínio. Isto decorre da complexa e intrincada realidade da vida urbana, onde os sistemas precisam operar em sinergia, de modo equilibrado, e não isoladamente. A mobilidade, por exemplo, é condicionada pela segurança dos habitantes e pela infraestrutura das ruas, e por sua vez impacta a saúde dos habitantes, como a caminhabilidade e a poluição. A governança, por outro lado, depende da participação cidadã, que é influenciada pela educação e coesão social da comunidade, e afeta outros aspectos da vida urbana, como a saúde e a cultura.

Os elementos e características de cada um de seus eixos devem ser observados e compreendidos em relação à perspectiva adotada em cada um deles, pois se refletem e se relacionam no espaço urbano. O gerenciamento da complexidade de uma cidade inteligente é estruturado em dimensões e características específicas, que podem ser customizadas ao contexto de cada localidade. Para auxiliar nesta tarefa, a estrutura organizada em eixos, não busca compartimentar a cidade, mas ser uma referência que ajude a visualizar e compreender a complexidade da vida urbana em seus diferentes aspectos.

*Esse texto foi adaptado do livro DEPINÉ, Ágatha; TEIXEIRA, Clarissa Stefani. Eficiência urbana em cidades inteligentes e sustentáveis: conceitos e fundamentos. São Paulo: Perse, 2021. A obra completa pode ser acessada na íntegra neste link.

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É advogada urbanista, pesquisadora, mestre e doutoranda pela Universidade Federal de Santa Catarina com estágio doutoral na Sapienza Università di Roma. Atua na intersecção entre cidades, inovação e sustentabilidade. agathadepine@gmail.com