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CPSI na Prática: Como Funciona a Contratação Pública para Solução Inovadora

1 Por que utilizar o CPSI para inovar na Administração Pública

A inovação no setor público é uma necessidade institucional imposta tanto pela complexidade dos problemas sociais quanto pela exigência constitucional de eficiência administrativa. A Constituição de 1988, em seu artigo 37, caput, e nos artigos 218 e 219, orienta o Estado brasileiro a promover o desenvolvimento científico e tecnológico, estimulando a inovação como mecanismo de transformação da realidade.

O Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), instituído pelo Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (Lei Complementar nº 182/2021), responde diretamente a esse desafio ao permitir que a Administração Pública contrate pessoas físicas ou jurídicas para desenvolver e testar soluções inovadoras em ambiente real, com ou sem risco tecnológico. Trata-se de um instrumento orientado à experimentação controlada, que inverte a lógica tradicional de compras públicas ao permitir que o foco recaia sobre a resolução de problemas complexos, e não sobre a aquisição de produtos prontos.

Ao viabilizar o uso de recursos públicos para testar soluções que ainda não estejam completamente consolidadas, o CPSI internaliza a lógica da incerteza no procedimento de contratação e, com isso, amplia o escopo de atuação do Estado na promoção de soluções mais eficientes e tecnicamente adequadas à realidade local.

 

2 As etapas do CPSI: do problema à solução validada

Uma das principais virtudes do CPSI é oferecer uma estrutura procedural adaptada à lógica da experimentação e da inovação, distinta das compras públicas tradicionais. Ao invés de contratar um produto previamente definido, a administração pública desafia o mercado a resolver um problema específico, permitindo o teste de soluções inovadoras em ambiente real.

O processo se desenvolve em etapas bem delineadas, que articulam o interesse público com a dinâmica do ecossistema de inovação. As etapas iniciais fazem parte da metodologia do Grupo VIA. Abaixo, explicamos cada uma delas.

2.1 Diagnóstico e prospecção

Tudo começa com o mapeamento dos desafios públicos. Essa etapa garante que o CPSI tenha o propósito claro de resolver um problema real que afeta a prestação de serviços públicos ou a gestão institucional. Envolve escuta ativa com usuários, análise de dados, envolvimento das áreas técnicas para definir o foco da contratação entre outras ações.

2.2 Mapeamento do mercado

Trata-se de prospecção de possíveis soluções já existentes ou em desenvolvimento. Essa etapa serve tanto para embasar a viabilidade do edital quanto para evitar a contratação de algo já disponível por meios convencionais. É também um momento para validar se o desafio é apropriado ao uso da CPSI, ou seja, se ainda não há solução consolidada disponível no mercado.

2.3 Edital de Chamada Pública

Com o problema definido, publica-se o edital de chamada pública, que deve conter uma descrição clara do desafio a ser enfrentado, os resultados esperados, as condições de testagem, critérios de avaliação, etapas de execução, além de outros combinados.

2.4 Recebimento das Propostas

As propostas são recebidas com foco na solução apresentada, e não nos documentos burocráticos. A lógica aqui é reduzir barreiras para startups e pequenas empresas inovadoras. A documentação completa só será exigida posteriormente, dos selecionados.

2.5 Julgamento

As propostas recebidas são avaliadas por uma comissão julgadora multidisciplinar, formada por no mínimo três integrantes, que consideram critérios como grau de inovação, aderência ao problema, potencial de impacto e viabilidade de implementação.

2.6 Negociação

Após a escolha da(s) solução(ões), realiza-se uma negociação com os proponentes selecionados, para definir os termos da testagem, as condições de execução, indicadores de sucesso e a remuneração, que é permitida mesmo durante a fase de experimentação, conforme prevê a legislação.

2.7 Habilitação

Só então ocorre a habilitação formal dos selecionados. Esta etapa tem a mesma finalidade dos processos de contratação tradicionais: dar segurança para a administração pública de que o licitante tem condições de cumprir o objeto. No entanto, o procedimento é mais simplificado e o gestor pode, inclusive, desobrigar a apresentação de alguns documentos, como os relacionados à regularidade fiscal.

2.8 Contrato de CPSI

O contrato CPSI propriamente dito tem prazo de até 12 meses, renovável por mais 12 meses, e limite de R$ 1,6 milhão por contrato. Durante esse período, a solução será testada em ambiente real, com acompanhamento técnico.

Ao final, se os resultados forem satisfatórios, a administração pública poderá celebrar um contrato de fornecimento diretamente com o contratado no CPSI, com dispensa de licitação, com valor de até R$ 8 milhões.

Fonte: elaborado pelo autor, 2025

3. Por onde começar?

O CPSI é uma ferramenta jurídica com potencial de revolucionar a forma como a Administração Pública contrata. No entanto, sua efetividade depende diretamente da preparação e da postura institucional de quem o implementa. Para transformar o dispositivo legal em resultados concretos, sugerimos três frentes complementares: capacitação, mudança de mentalidade e articulação com o ecossistema.

3.1 Capacite sua equipe: inovação começa pelas pessoas

O primeiro passo é investir na formação de gestores e servidores públicos. O CPSI é um instrumento recente, com lógica distinta das contratações públicas tradicionais. Por isso, é fundamental promover treinamentos específicos sobre a legislação aplicável, as etapas do processo, os riscos envolvidos e as boas práticas já consolidadas.

Esses treinamentos devem envolver:

  • Equipes jurídicas e de compras públicas;
  • Lideranças das áreas técnicas;
  • Núcleos de inovação, TI ou planejamento institucional;
  • Agentes de controle interno.

Cursos, oficinas práticas e sessões de benchmarking com instituições que já utilizaram o CPSI certamente ajudarão. A capacitação não é um fim em si, mas uma forma de criar um ambiente institucional mais seguro e confiante para inovar.

3.2 Pense fora da caixa: problemas reais, soluções personalizadas

A eficiência de um CPSI começa com a formulação de um bom problema público. É preciso desapegar da lógica tradicional de “comprar algo que já existe” e adotar uma mentalidade orientada à solução de desafios ainda sem resposta.

Isso exige:

  • Mapeamento criterioso de desafios reais enfrentados pelos usuários dos serviços públicos;
  • Análise crítica sobre por que os meios tradicionais não resolvem aquele problema;
  • Formulação de editais claros, objetivos e acessíveis, com foco na dor a ser resolvida e não na tecnologia a ser utilizada.

Esse movimento demanda criatividade, escuta ativa, liderança e coragem institucional para testar novas abordagens, mesmo com incertezas. Inovar é, antes de tudo, assumir o risco de fazer diferente para fazer melhor.

3.3 Conecte-se ao ecossistema de inovação: você não precisa fazer isso sozinho

A inovação pública não acontece isoladamente. Governos, universidades, startups e organizações da sociedade civil fazem parte de um mesmo ecossistema de inovação, e quanto mais integrados estiverem, maior a chance de sucesso.

A Administração Pública pode (e deve) se aproximar da iniciativa privada, de instituições científicas e tecnológicas, de núcleos de inovação e de habitats como living labs, incubadoras e parques tecnológicos. Esses atores têm conhecimento, estrutura e redes de colaboração que podem fortalecer enormemente o processo.

Criar conexões com o ecossistema local permite:

  • Identificar soluções já em desenvolvimento;
  • Engajar parceiros estratégicos;
  • Atrair startups qualificadas para os desafios públicos;
  • Construir editais com apoio técnico e maior aderência à realidade do mercado.

Você não precisa inovar sozinho. Há muitas pessoas boas e competentes que podem ajudar a sua instituição a prestar um serviço público mais eficiente e tecnológico. O papel do gestor público é articular essas conexões e criar as condições para que a inovação aconteça.

4 Considerações finais

O CPSI é, hoje, um dos instrumentos mais promissores do direito público brasileiro para transformar a forma como o Estado se relaciona com a inovação. Ele permite alinhar o interesse público à criatividade de startups, centros de pesquisa e cidadãos inovadores, promovendo respostas mais eficazes e personalizadas a problemas públicos complexos.

Entretanto, sua efetiva implementação requer estrutura mínima, capacitação técnica, formulação estratégica e articulação institucional. Não basta apenas a previsão legal. É necessário construir uma cultura de experimentação e fortalecer os ecossistemas de inovação, além de estimular e habilitar os servidores públicos a conduzir processos que lidam com incerteza e risco — elementos inerentes ao processo de inovar.

O VIA Estação Conhecimento tem atuado exatamente nesse espaço de mediação e estruturação, oferecendo metodologias, oficinas de capacitação e apoio técnico-jurídico para que municípios, universidades e órgãos públicos de modo geral possam usar o CPSI de maneira segura.

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Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Mestre em Direito (UFSC) e Bacharel em Direito (CESUSC). Integrante do Grupo de Pesquisa VIA Estação Conhecimento. Estuda e trabalha para que o Direito cada vez mais deixe de ser visto como um muro de proteção.