Incubação: novas dimensões para observar
Estudo de caso em incubadora na Suécia traz insights sobre incubação de negócios
Conhecidas na área do empreendedorismo e inovação, as incubadoras são habitats que fornecem apoio a empreendedores e empreendimentos em fases iniciais. Espalhadas por todo o mundo, algumas incubadoras se destacam em sua atuação. Este é o caso da incubadora do Instituto Karolinska (KI), na Suécia, analisada por Baraldi e Havenvid (2015) através do estudo em que se baseiam as dimensões explicadas nesse texto.
O Instituto Karolinska
De tal modo, é importante destacar a atuação do instituto para melhor compreender o estudo dos autores. O KI é uma universidade de medicina, que desde os anos 90 estruturou seu próprio sistema de suporte a inovação tendo em vista as descobertas médicas incorporadas como spin-offs pela incubadora do instituto.
Dessa forma, a atuação das spin-offs está tão ligada a área da medicina que incubadora do KI não apenas oferece suporte em empreendedorismo como também serviços de alta especialização em descobertas de medicamentos, por exemplo.
Portanto, o artigo explica que embora a incubadora do KI dificilmente possa ser categorizada de acordo com as visões tradicionais, é importante se atentar para seu processo de incubação e as novas dimensões que ele apresenta para essa área.
Dimensões tradicionais
Através da literatura já existente os autores delimitaram sete componentes-chave que explicam as dimensões das incubadoras tradicionais. Dessa forma, a imagem a seguir apresenta os três primeiros componentes apontados pelos autores:
1. Local:
Um espaço que deve contemplar tanto a dimensão física quanto a organizacional, que seja capaz de atender as necessidades da incubação conforme percebido em suas atividades.
2. Tempo:
Conforme é natural de sua definição, a incubação deve ser prevista como algo temporário. Isso porque as empresas que ingressam em uma incubadora para receber apoio, em algum momento precisam ser graduadas e lançadas em mercado, agora já fortificadas pelo processo de incubação. Assim, é importante prever detalhes da graduação daquela empresa, e, portanto, o tempo até se graduar.
3. Fontes:
Uma vez que a incubação é um processo, em seu ingresso deve se prever de onde vêm suas fontes, ou seja, o objeto da incubação. Nesse sentido, as incubadoras preveem diversos critérios e formas de seleção, podendo ser estritamente ideias científicas provindas de universidades ou até mesmo qualquer ideia empreendedora que corresponda aos critérios.
Além disso, incluem em seus componentes os “Recursos”, “Controle e Governança” e “Atividades/Serviços”, conforme imagem:
4. Recursos
Dentro dos apoios previstos nas incubadoras encontram-se recursos tanto materiais quanto imateriais. Assim, para ilustrar alguns exemplos, os recursos materiais podem ser compreendidos como espaços compartilhados e imateriais como a expertise no desenvolvimento de negócios e rede de relacionamentos. Sobretudo, os autores destacam que esta última é importante inclusive para acessar recursos externos.
5. Controle e governança
A existência de muitos stakeholders pode requerer uma clara definição de governança da incubadora. Em suma, os objetivos de uma incubadora podem variar de acordo com sua natureza privada ou pública, com fins lucrativos ou sem fins lucrativos, e é a governança que evitará a existência de conflitos paralelos.
6. Atividades/Serviços
Nesse sentido, para esse sexto componente, os autores consideram principalmente os serviços oferecidos aos incubados. Destacam de outros estudos uma sumarização de atividades como: de seleção, de suporte a negócios e de mediação.
Em paralelo, o artigo de Shih e Aaboen (2017) que trata especificamente do papel de mediação das incubadoras divide essa atividade de duas formas:
Além disso, para deixar ainda mais especificado, outro estudo de Sansone et al. (2020) explicita várias dessas atividades, tais como: suporte gerencial, compartilhamento de espaços físicos, educação gerencial empreendedora, acesso a financiamento, serviços legais e administrativos, suporte para propriedade intelectual, networking, desenvolvimento e acompanhamento tecnológico. Ainda, para incubadoras de negócios sociais destacam atividades como serviços de mensuração de impacto; formação/consultoria em éticas de negócios e responsabilidade social.
Por fim, apresenta-se o componente “Resultados”, indicado ao final do processo de incubação.
7. Resultados
Esse componente final diz respeito a indicadores sugeridos pela literatura. Assim, podem variar quanto aqueles ligados à performance da incubadora em relação a capitalização ou patentes geradas, tanto de status econômicos, como receitas e fundos capitalizados.
Em resumo, a figura a seguir apresenta os sete componentes integrados pelos autores:
Incubação: novas dimensões a observar
A incubadora do KI apresenta diversas implicações que a tornam uma incubadora “fora da curva”. Nesse sentido, algumas questões consideradas foram seu foco estrito em escolher ideias que apresentasse grande potencial em serem sucessos e seus extremamente longos períodos de incubação. O estudo destaca que investigar profundamente essa incubadora possibilita entender melhor as dimensões da incubação em si, e, portanto, identificar novas dimensões. Através de entrevistas envolvendo três níveis analíticos (o do incubado, o da incubadora e o institucional e inter-organizacional), assim como estudando todo o contexto e histórico da incubadora, eles apresentam seis direcionadores estratégicos a serem considerados.
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Posicionamento na cadeia de valor
Primeiramente, os autores iniciam com esse direcionador fundamental que apontam como capaz de influenciar os outros cinco identificados. Certos de que um dos resultados das incubadoras é a criação de valor no modelo de negócios de seus incubados, a incubadora deve estabelecer um posicionamento estratégico em uma cadeia de valor. Não obstante, destacou-se na pesquisa que a incubação, embora abraçasse um setor estreito (tecnologia farmacêutica/médica) apresentou seu posicionamento abraçando uma cadeia de valor muito mais ampla. Isto porque não finaliza seu processo logo após a formação das novas empresas, também abrangendo etapas de geração de receita e até internacionalização.
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Assumir riscos/perspectiva do tempo
Levando em consideração a dependência da incubadora do KI no longo desenvolvimento de farmacêuticos, foi analisado seu período de incubação que corresponde a 10-15 anos. Assim, devido ao seu amplo e mais abrangente posicionamento na cadeia de valor e seu foco em resultados altamente incertos, a incubadora da KI assume riscos bem maiores se comparados a incubadoras tradicionais. Isso traz reflexão a respeito, justamente, da influência direta entre o tempo de incubação e o risco do investimento no incubado. Ou seja, é um risco que a incubadora assume ao ampliar sua incubação.
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Modelo de receitas
Em um resumo do histórico da incubadora levantado pelos autores, quando foi iniciado esse movimento no instituto, seu propósito original era comercializar pesquisas através da venda de licenças.
Acontece que vender licenças, na Suécia, acabou sendo algo muito mais difícil de prosperar se comparado, por exemplo, com o desempenho das universidades nos Estados Unidos. A incerteza das empresas em seus estágios ainda muito iniciais também não contribuiu para atração de investidores. Isso foi um gargalo complexo, visto que o sistema de incubação do KI precisava de recursos para o desenvolvimento de suas pesquisas avançadas. Em consequência disso, os fundos da incubadora se tornaram uma companhia de investimento a longo termo, a Karolinska Development Ltd. (KD). Três anos após isso, a KD possuía 730 shareholders (acionistas).
Não obstante, conforme mais capital foi sendo necessário, a KD ingressou, sobretudo, na bolsa de valores. Isso resultou em milhares de acionistas e hoje em seu portfólio de investimentos há 33 projetos correspondentes a 23 empresas.
A reflexão dos autores é a respeito dessa solução encontrada pela KI, visto que devido seus longos períodos de incubação e altos riscos, seus recursos não podiam ser esperados como tendo apenas subsídios públicos como alternativa.
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Governança e controle
Esse direcionador, também destacado na literatura anteriormente, é reiterado pelos autores, dessa vez, devido à alta dependência da incubadora do KI de fatores externos. Em especial, devido a sua flutuação na bolsa de valores. Eles apontam que um controle externo, mesmo que indireto, reduz a liberdade estratégica da incubadora. Isto porque a torna ainda mais sensível aos alinhamentos dos agentes externos do que as outras incubadoras.
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Internacionalização
A internacionalização percebida na KI abraça diversos fatores. Esse direcionador está presente, por exemplo, desde as “Fontes” (como destacado nos sete componentes iniciais) vindos de universidades estrangeiras, até recursos financeiros advindos internacionalmente. O ramo da KI a favorece, visto que a área medicinal é abrangente em questão de mercado, entretanto, suas estratégias são exemplares. Isto porque é destacado que em suas atividades a incubadora consegue abraçar um grupo amplo de atores estrangeiros e estabelecer com praticidade uma presença internacional direta.
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Cooperação/competição
Os autores destacam esse último direcionador como bastante relevante para a incubadora do KI. Ao passo que, para criar valor para os acionistas e os clientes dos farmacêuticos, a incubadora deve interagir de forma contínua com uma rede de atores. Curiosamente, devido ao cunho científico, a incubadora enfrenta o desafio de poder estar simultaneamente em colaboração e competição com um parceiro. Assim, devido a suas diversas características que fazem com que a incubadora estabeleça profundas conexões com os atores externos, cria-se uma dependência mútua, tanto em termos econômicos como técnicos.
Conclusão do estudo
Por fim, embasando-se na literatura já existente e nos seis direcionadores que surgem através do estudo, Baraldi e Havenvid (2015, p.13) apontam suas considerações como: “(1) o posicionamento na cadeia de valor pode ser amplo ou estreito (focado em uma atividade específica); (2) o risco pode ser alto ou baixo, combinado com uma perspectiva de curto ou longo prazo; (3) os modelos de receita variam em termos da importância relativa de diferente fluxos de caixa como taxas de incubação, subsídios, emissões de capital, licenças e saídas; (4) o controle pode ser rígido ou fraco e visto verticalmente e horizontalmente; (5) a internacionalização pode envolver poucos ou muitos países, com ou sem presença local; e (6) cooperação/competição varia em termos de número e profundidade da cooperativa e relações competitivas.”
Considerações sobre o estudo
Compreende-se que a incubadora do estudo é de fato, como os próprios autores apontam, uma incubadora “fora da curva”. Embora sua realidade tenha um contexto muito específico, como por exemplo, o de uma incubação que precise de um tempo muito amplo devido ao desenvolvimento de pesquisas complexas, a reflexão sobre tempo de incubação e o risco envolvido nesse processo é válida para qualquer contexto.
O posicionamento em uma cadeia de valor é um direcionador que varia de acordo com fatores muito específicos de cada incubadora, e ter sua importância destacada amplia ainda mais a necessidade de se estudar os habitats de inovação como hélice de um ecossistema. O valor nem sempre é mensurável e nem sempre é tangível, e como destacado pelos autores pode, inclusive, vir como forma de legitimidade na reputação de uma empresa: ou seja, há a confiança naquela empresa por estar ligada a uma incubadora. Dessa forma, com um posicionamento estratégico em um ecossistema, e portanto, numa cadeia de criação de valor, a incubadora será capaz de transferir de forma mais precisa o valor para seu incubado.
Da mesma forma, embora poucas incubadoras abracem com facilidade a internacionalização, ressalta-se que esse é um direcionador previsto, sobretudo, em diretrizes nacionais no Brasil. É o caso, por exemplo, da metodologia CERNE desenvolvida pela Anprotec com o Sebrae para ambientes de inovação, que prevê em sua quarta e última etapa, a internacionalização da incubadora.
Ainda, estende-se a reflexão a respeito de um modelo de receita que compreenda parceiros externos, conforme as necessidades das atividades da incubadora. Entretanto, deve-se levar em consideração que, dependendo de como a parceria acontece, pode haver impacto na governança da incubadora e no alinhamento e direcionamento de seus objetivos. Cabe uma reflexão se essa interferência é empecilho o suficiente para se sobrepor a necessidade de receitas oriundas de parceiros que sejam capazes de influenciá-la.
REFERÊNCIAS
BARALDI, Enrico; HAVENVID, Malena Ingemansson. Identifying new dimensions of business incubation: A multi-level analysis of Karolinska Institute’s incubation system. Technovation, v. 50, p. 53-68, 2016.
SHIH, Tommy; AABOEN, Lise. The network mediation of an incubator: How does it enable or constrain the development of incubator firms’ business networks?. Industrial Marketing Management, v. 80, p. 126-138, 2019.
SANSONE, Giuliano et al. Are social incubators different from other incubators? Evidence from Italy. Technological Forecasting and Social Change, v. 158, p. 120132, 2020.
Carlos Marcelo Faustino da Silva
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