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Desenvolvimento de um ecossistema de inovação em Cairns na Austrália

Desenvolvendo um ecossistema de inovação

Olá, tudo bem? Hoje o post relata a criação e orquestração de um ecossistema de inovação na região de Cairns na Austrália. Com uma realidade parecida com muitas cidades brasileiras, Cairns sofria com o alto desemprego, o enfraquecimento das indústrias tradicionais, a falta de diversidade econômica e a “fuga de cérebros”, os talentos para os centros urbanos mais desenvolvidos. Porém, esta realidade começou a mudar há cerca de 4 anos, quando o empreendedor Troy Haines uniu esforços para desenvolver o ecossistema de inovação da região. Portanto, pode servir de inspiração para as cidades brasileiras desenvolverem seus próprios ecossistemas e mudarem sua realidade atual. Neste post descrevo como isso ocorreu, apartir da experiência descrita por Troy Haines (2016).

A região de Cairns na Austrália

A região de Cairns na Austrália (Figura 1), está localizada na costa leste de Far North Queensland e possui uma população de 160.000 pessoas. Está aproximadamente 1.700 km de Brisbane, que é o centro urbano mais próximo. Foi criada em 1876 como um centro de transporte e apoio para as indústrias locais de mineração e agricultura. No entanto, o turismo que desempenha um papel importante na economia de Cairns, atraindo mais de 2 milhões de visitantes por ano. Isso porque a região é conhecida como “Porta de Entrada para a Grande Barreira de Corais”. Os principais setores da economia são turismo, agricultura, saúde e varejo. Por sua vez, os principais mercados abordados pelas startups são serviços profissionais; agricultura; educação e treinamento; turismo e mídia de informação (Haines, 2016).

Figura 1: mapa da região de Cairns

Assim, foi neste cenário que Troy Haines decidiu empreender e ajudar a mudar a realidade desta região que estava estagnada economicamente e com altos índices de desemprego.

A motivação de Troy Haines

Troy Haines descreveu em seu artigo que sempre sonhou em criar uma empresa que pudesse mudar o mundo. Este desafio era ainda maior em sua remota região. Há 5 anos, Haines trabalhava em sua grande novidade, um aplicativo para definição de metas e responsabilidade que conecta pessoas a mentores e treinadores chamado iAMconnected. Porém, após investir 40.000 dólares advindos de economias pessoais, a plataforma lutou para ganhar força. Assim, aquela tecnologia que parecia revolucionária não se transformou num empreendimento de alto crescimento. Ao contrário, como comenta Haines (2016) “enquanto eu desesperadamente continuava adicionando recursos, alterando layouts e mudando de direção, nada mais mudou, exceto meu saldo bancário”.

Apartir disso, Haines começou a procurar em sua região ajuda de outros empreendedores, mentores, principais
provedores de serviços e investidores. No entanto, o ecossistema inexisistia. Não havia uma rede a ser explorada, bem como, nenhuma infraestrutura regional para ajudar a construir as startups de alto crescimento e alta escalabilidade que prometiam ser os motores do crescimento econômico. Haines encontrou no Vale do Silício aquilo que precisava em sua região. No entando, devido a impossibilidade de se mudar, encontrou em Cairns uma oportunidade de construir a estrutura de suporte necessária para ajudar empreendedores iniciantes. Assim, durante 4 anos, Haines construiu o SPACE Cairns, um centro regional de startups e inovação autofinanciado. Em conjunto com as partes interessadas de toda a região, desenvolveu um modelo que mostra sinais iniciais de sucesso e pode estar pronto para ser implantado em outras regiões (Haines, 2016).

O que faltava no ecossistema da região de Cairns

Após analisar outros ecossistemas, Haines (2016) identificou os seguintes elementos que estavam ausentes, subdesenvolvidos ou desconectados na região de Cairns:

Cultura

É essencial desenvolver uma cultura empreendedora na região entre empreendedores e partes interessadas. No entanto, é preciso entender que no cenário das startups apesar de sua localização regional, muitas vezes, pretendem operar em escala global desde o início. Assim, principalmente para as partes interessadas, há uma curva de aprendizagem sobre a escalabilidade e inovação das startups regionais.

Campeão (líder)

Chamado de Champion ou Campeão por Haines, pode ser compreendido como um líder ou protagonista do ecossistema. Haines comenta, que um ecossistema precisa de um campeão ou de uma equipe de campeões para fornecer uma força motriz. De fato, isso acelera o interesse, o que é particularmente importante no início ou numa nova fase de crescimento. Mas também desempenham papéis importantes para manter as partes interessadas focadas e seguir em frente de forma contínua. Além de sua paixão, um protagonista deve entender inerentemente a necessidade de um ecossistema. Assim, Idealmente, se beneficiam do ecossistema como empreendedores, mas também desejam desenvolvê-lo para o benefício da comunidade em geral.

Rede

Ao trabalhar isoladamente, um empreendedor está fadado ao fracasso, comenta Haines. Assim, uma rede forte e diversificada de outros empreendedores, mentores, prestadores de serviços, investidores, etc. ajuda os empreendedores a compartilhar ideias, acessar recursos, receber incentivos e conselhos, superar barreiras e aprender sobre novas oportunidades. Desse modo, o ecossistema pode ajudar a formalizar, expandir e ativar a rede de empreendedores, além de atuar como um sistema de apoio de mentores, pares, prestadores de serviços etc..

Engajamento das partes interessadas

O ecossistema deve garantir o envolvimento contínuo entre os principais interessados. Tanto interesse próprio no desenvolvimento de empreendedores como nos resultados do desenvolvimento econômico. Assim, os principais interessados geralmente são: governos locais, estaduais e federais; prestadores de serviços; instituições de ensino e pesquisa; mentores; investidores; meios de comunicação; e, mais importante, empreendedores.

Processo

Deve haver um processo claro para criar capacidade de inovação em uma região. Este processo deve levar os empreendedores da ideia à comercialização. Assim, precisa fornecer os serviços de suporte necessários ao longo do caminho. Os líderes ou protagonistas podem desempenhar um papel fundamental na liderança de empreendedores nesse processo. No entanto, todas as partes interessadas devem contribuir para o desenvolvimento e execução do processo. Além disso, todos os aspectos do ecossistema devem ser projetados para apoiar e desenvolver o processo.

Espaço físico e eventos

Os empreendedores precisam de um local para trabalhar e se beneficiar da disponibilidade de espaço de trabalho conjunto. No grupo VIA, denominamos estes locais como habitats de inovação. Estes habitats são pré-incubadoras, incubadoras, aceleradoras, coworkings, centros de inovação, parques tecnológicos e espaços makers. Haines revela que ter um local adequado para a realização de eventos e programas ajuda a promover o engajamento entre os participantes. Ainda, contribui para estimular um ambiente de risco estratégico e empreendedorismo. Assim, o espaço físico se torna um meio de compartilhar informações e conhecimentos, construir uma comunidade e fomentar a cultura necessária.

Ações de Haines em prol do ecossistema

Mas o que Haines fez em prol do ecossistema de Cairns para que ele se desenvolvesse? Vamos aos fatos. Durante esses quatro anos a empresa de Haines, chamada SPACE Cairns operou como uma private equity na região. Private equity é um fundo de investimento que compra de ações de empresas que possuam boas faturações monetárias e que estejam em notável crescimento.

As startups apoiadas pelo fundo pagam taxas por serviços como treinamento, programas, eventos e associação. No entanto, quando há algo que se alinha com a visão e valores da empresa de Haines, eles podem se tornar parceiros. Desse modo, não há estrutura fixa para troca de ações, mas sim negociação com fundadores individuais com base em seus requisitos. Essa abordagem, segundo Haines, criou um crescimento popular e sustentável a longo prazo. Como resultado deste esforço a SPACE Cairns virou uma das várias empresas pertencentes a empresa controladora SPACE Australasia. Conheça as outras empresas de Haines (Haines, 2016).

  • theSPACE Cairns: impulsiona o ecossistea de startups e inovação na região de Cairns, incluindo a entrega de programas e eventos e o espaço físico para empreendedores.
  • Empreendedores Emergentes: uma plataforma de aprendizado online de empreendedorismo na escola com credenciamento de professores associados. Permite que os professores ensinem efetivamente aos alunos habilidades de inicialização, colaboração, proatividade e capacidade de resposta. Efetivamente, a plataforma mostra aos alunos como criar um trabalho em vez de procurar um.
  • Ecossistemas de Inovação: a organização que usamos para divulgar o trabalho que estamos compartilhando além da região de Cairns.
  • IoT Australásia: trabalha com regiões e indústrias para ajudá-las no estabelecimento do design da Cidade Inteligente.

O modelo criado pela SPACE Cairns

A equipe do SPACE Cairns criou um modelo para atender às necessidades da região, mas também, desenvolvido para ser replicável e sustentável em outras regiões. Como Haines (2016) descreve, embora nenhuma abordagem única seja possível, o modelo criado pela empresa identifica conceitos fundamentais que se aplicam à maioria das regiões e podem ser personalizados conforme necessário.

Assim, este modelo reconhece que a construção de um ecossistema de startup e inovação em uma área regional é fundamentalmente diferente de uma cidade grande. A falta de densidade populacional no cenário regional significa que grandes investimentos em infraestrutura rígida (ou seja, hubs, espaços de trabalho, incubadoras) são frequentemente um desperdício de recursos, pelo menos até que o ecossistema possua uma massa crítica. Dessa forma, tempo e recursos são muito melhor gastos educando a comunidade sobre como iniciar um empreendimento e aplicar a tecnologia às indústrias existentes. Sempre com o objetivo de encontrar oportunidades de criar startups escaláveis e de alto crescimento.

Assim, a base da abordagem criada pela SPACE Cairns é baseada em treinamento e consultoria por meio dos lideres do ecossistema que também impulsionam o envolvimento dos principais interessados. Haines (2016) menciona que essa abordagem se desenvolveu organicamente por meio dos seus esforços em Cairns. Agora, o objetivo é aplicar essa abordagem para treinar “coaches de inicialização e inovação” locais para catalisar e impulsionar o desenvolvimento
de novos ecossistemas em outras regiões da Austrália.

Vantagens deste modelo

Assim, em um cenário regional, essa abordagem tem várias vantagens Haines (2016):

  1. Requer pouco capital inicial porque é focado na “infraestrutura flexível”, o que significa desenvolver conexões em todo o ecossistema e construir uma cultura de empreendedorismo.
  2. Os campeões (líderes) criam uma receita com o desenvolvimento do ecossistema, de modo que a abordagem é autossustentável. No entanto, o coaching e consultoria deve ser considerada um complemento de médio prazo que lhes permita trabalhar com suas próprias ideias escaláveis e de alto crescimento nesse meio tempo. Idealmente, os campeões são substituídos ao longo do tempo à medida que suas próprias startups se desenvolvem.
  3. O ecossistema é dirigido por membros da comunidade local.
  4. As regiões podem personalizar a abordagem para desenvolver sua própria marca.
  5. Os campeões são treinados nos princípios fundamentais do empreendedorismo, como planejamento ágil, estabelecendo premissas básicas, construindo produtos mínimos viáveis, validando premissas e repetindo esse processo de aprendizado.
  6. Quando o negócio principal de uma pessoa vem de dentro do ecossistema, eles são suficientemente motivados para desenvolver esse ecossistema. Isso envolve a construção de relacionamentos com as principais partes interessadas, a execução de programas e a oferta de eventos.
  7. O campeão organiza e executa programas e eventos, e oferece consultas e programas de treinamento. Assim, a abordagem cria capacidade na região, à medida que mais e mais pessoas desenvolvem habilidades empreendedoras eficazes. Os mentores ainda desempenham um papel substancial e essencial, mas o ensina um processo especializado para orientar os empreendedores na pista de comercialização.

Assim, o foco das capacitações estão nas pessoas que entendem a singularidade da região. Desse modo, são trabalhadas as oportunidades relacionadas ao que a região já faz bem.

O Espaço Fisico da SPACE Cairns

A SPACE Cairns oferece espaço físico compartilhado ao ecossistema, com mesas disponíveis de forma casual, permanente ou semi-permanente. É um local conveniente e acessível para os empreendedores trabalharem. Além disso, contribui para compartilhar idéias e facilitar a colaboração.

Figura 2. Espaço de trabalho conjunto e eventos no theSPACE Cairns.

ilustração do SPACE

Fonte: Haines (2016).

A medida que o ecossistema se desenvolveu, foram criadas instalações maiores para melhor atender às crescentes necessidades de espaço na mesa, salas de reunião, salas privadas, salas de lazer, instalações de cozinha e áreas comuns para a realização de eventos.

Figura 3. Partes interessadas que se reúnem para um evento na SPACE Cairns.

ilustração do SPACE

Fonte: Haines (2016).

A seguir são descritos os programas e eventos oferecidos pela SPACE Cairns para o ecossistema de inovação.

Programas e eventos oferecidos para o ecossistema

Programas e eventos promovem uma cultura de inovação e ajudam a construir a base do ecossistema de apoio. Dessa forma, em Cairns o grupo oferece Haines (2016):

  • Program “Empreendedores Emergentes”: com duração de dez semanas, ensina os alunos do ensino médio sobre empreendedorismo e os vincula a um ecossistema mais amplo. Possui também, uma versão digital com acreditação de professores que atualmente está presente em várias escolas em Queensland.
  • Programa pré-acelerador de oito semanas “Startup Basecamp”: ajuda empreendedores iniciantes a validar suas ideias.
  • Programas para vincular startups a pequenas e médias empresas (PME).
  • Programas para ajudar PMEs, corporações e agências governamentais a desenvolver suas próprias culturas de inovação e intraempreendedorismo.
  • Fundo de investimento (em desenvolvimento) para propagar ideias em estágio inicial, com o objetivo de atrair fundos subsequentes para a região.
  • Programa de associação para construir a rede e envolver a comunidade num pensamento inovador.
  • Eventos de orientação que permitem que os empreendedores se encontrem individualmente com fundadores de sucesso que já saíram, fundadores de startups em estágio de crescimento, investidores anjos, investidores de capital de risco, gerência sênior de empresas de tecnologia, etc.
  • Outros eventos pontuais e hospedagem de atividades da comunidade, como o Startup Weekend Cairns.

Resultados Iniciais

Haines (2016) revela que há alguns sinais iniciais de sucesso do projeto, que são descritos aqui. Por exemplo, em junho de 2016, 592 pessoas participaram de eventos ou fizeram perguntas por meio da SPACE Cairns. Por sua vez, o theSPACE possui seis grandes patrocinadores corporativos e recebe apoio dos governos local e estadual. Nesse sentido, o governo de Queensland mapeou ecossistemas de startups e mostrou que Cairns tem a maior densidade de startups per capita de todas as regiões de Queensland. Desse modo, há uma startup para cada 5.300 pessoas em comparação com South East Queensland, que possui uma startup para cada 12.700 pessoas.

Em 2014, Haines e seu colega co-fundador do SPACE, Damian Zammit, foram nomeados Campeões da Inovação pelo Ministro da Inovação e pelo Premier de Queensland. Foram, também, incluídos no Muro da Fama do Governo de Queensland pelo trabalho realizado. Em 2015, o SPACE venceu um desafio nacional por meio do Crescimento Econômico Sustentável para a Austrália Regional.

Em 2016, o primeiro ministro australiano Malcolm Turnbull visitou o SPACE e anunciou US$ 10 milhões em financiamento para um Centro de Inovação em Cairns. A SPACE irá colaborar como parceira nesse processo. Assim, somado a outros US$ 30 milhões de investidores privados, resultam num investimento total de US$ 50 milhões para o Centro de Inovação.

Por meio do programa de treinamento, o SPACE ajudou uma empresa estabelecida de fabricação de alumínio a reorientar os seus negócios. Como resultado, a empresa passou de 18 para 35 funcionários. Hoje, envia seus produtos para toda a Austrália e está realizando vendas internacionais. Por fim, no momento a SPACE apoia regiões em toda a Austrália a desenvolverem seus próprios ecossistemas de inovação.

Conclusão

Pode-se perceber que, apartir das ações realizadas por Haines (2016) e colaboradores um ecossistema de inovação começou a se desenvolver na região de Cairns. Assim, atividades positivas estão sendo realizadas em busca do desenvolvimento de startups e do empreendedorismo. Outro fato importante de se ressaltar é de que, construir ecossistemas de inovação para o crescimento econômico é muito mais do que um objetivo a curto prazo de estabelecer uma incubadora ou aceleradora. Construir um ecossistema é criar uma mudança cultural que permita que uma comunidade seja estrategicamente ágil no futuro.

Como aplicar este modelo em outras regiões e as lições aprendidas por Haines você encontra no meu próximo post.

Acesse o artigo de Haines (2016) na íntegra.

Quer saber mais sobre ecossistema de inovação? Acesse nosso ebook.

Acesse outros posts no nosso blog sobre innovation ecosystem.

Referências

Haines, T. 2016. Developing a Startup and Innovation Ecosystem in Regional Australia. Technology Innovation Management Review, 6(6): 24-32. http://doi.org/10.22215/timreview/994

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Guilherme Paraol

Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) e membro do grupo de pesquisa VIA - Estação Conhecimento. Realiza pesquisas com foco em ecossistemas de inovação. Atua em diversos projetos de inovação.