Por que mesmo empresas de sucesso devem pensar em ambidestria e inovação aberta?
Longos períodos de sucesso podem ser perigosos por tornar a empresa dependente de ciclos de processos já conhecidos, o que é conhecido como rigidez organizacional. Conheça como empresas podem se sobrepor a isso utilizando-se de inovação aberta e ambidestria organizacional em suas estratégias.
Líder… pra sempre?
A globalização e a aceleração de tecnologias fazem com que o mercado adquira um ritmo acelerado de novas tendências e necessidades dos consumidores. Deixar de observar esse movimento por já ter garantido seu lugar no mercado pode ser uma falha fatal na estratégia das empresas.
Em um primeiro momento pode nos ocorrer que “em time que está ganhando não se mexe”, mas é preciso se atentar que grandes empresas – que foram líderes de mercado em seu nicho de atuação por muito tempo-, não apenas ficaram para trás em relação a concorrentes como tornaram-se insignificantes, ou até mesmo deixaram de existir, como é o caso de marcas como Kodak, Nokia, Blackberry, entre outras.
Longos períodos de sucesso podem vir por diversos fatores: seja por pioneirismo naquela atuação de mercado, por fazerem uso de uma forte tecnologia subjacente, pelo seu acesso exclusivo a recursos, um processo de produção único, ou até mesmo alguns ativos complementares, como marca forte ou canais de distribuição que dominam aquela esfera do mercado [1].
O fato é que independentemente da origem, décadas de sucesso imperturbável podem gerar a perigosa rigidez organizacional: quando a empresa se torna dependente do ciclo de processos que a tornou um sucesso, e não consegue reagir a tempo quando há necessidade de remodelar algum fator em sua gestão. Nesse contexto, a inovação aberta e a ambidestria organizacional entram em cena como fortes estratégias para sobrepor esse desafio.
E como é essa rigidez organizacional?
A ideia de utilizar-se da inovação aberta e da ambidestria organizacional é discutita no artigo “Acordando a Bela Adormecida: a jornada de inovação aberta da Swarovski”, de Justyna Dąbrowska, Henry Lopez-Vega e Paavo Ritala (2019).
No artigo, argumentam que a rigidez organizacional pode ser subdivida em dois tipos de rigidez: a estrutural e a de capacidade.
No contexto da inovação, estrutura refere-se à forma como a empresa coordena suas atividades de inovação usando, por exemplo, equipes especializadas de P&D, processos de inovação bem apurados e programas para gerenciar alianças e parcerias externas. Além disso, também abraça algumas questões hierárquicas e administrativas, ou seja, como a empresa se estrutura organizacionalmente. Isso é importante de ser analisado porque a forma organizacional afeta como as ideias, invenções e inovações são gerenciadas, além de lidar também com como o poder e as relações de subordinação são distribuídos e quais fóruns e plataformas estão disponíveis para o compartilhamento de conhecimento [1].
Por sua vez, a rigidez da capacidade tem a ver com o dia a dia da empresa e os processos que a mentem de pé, como sua rotina organizacional, sua condução de processos e substancialmente a sua cultura em relação a como as atividades de explotação (inovação incremental) e exploração (inovação disruptiva) são conduzidas [1].
Se você quer entender mais sobre explotação e exploração, acesse nosso texto sobre essas terminologias no post em que falamos sobre as inovações que compõem os dois braços da ambidestria organizacional.
A rigidez de capacidade tende a levar a uma orientação mais intensamente voltada para a explotação, visto que o feedback sobre o desempenho bem-sucedido acaba gerando uma busca pelo aperfeiçoamento daquilo que já é feito [1].
Eventualmente, essa posição de conforto é desafiada. Crises econômicas, globalização, novas tendências de mercado, o avanço da tecnologia, digitalização de serviços e muitos outros fatores podem levar a necessidade de uma reação e adaptação da empresa a novas estruturas de funcionamento.
Nesse caso, quanto mais rigidez organizacional, maior o desafio da empresa para reagir a tempo de continuar se mantendo competitiva. É aí que entram a inovação aberta como intervenção para a rigidez estrutural e ambidestria organizacional como intervenção para a rigidez de capacidade [1].
Inovação aberta e Ambidestria Organizacional
A inovação aberta surge da perspectiva de que com o avanço significativo da economia do conhecimento, o modelo de inovação fechado, onde a empresa desenvolve seus processos e ideias dentro de seus muros para não ser interceptada por atores externos, encontra-se ultrapassado. Fato é que atualmente podemos afirmar que a inovação aberta não apenas tornou-se alternativa viável, como se sobrepôs ao modelo de inovação fechada em diversos aspectos. Como ator inserido em um ecossistema, não interagir com o ambiente externo faz com que a empresa deixe de aproveitar uma grande fonte de conhecimento e outros recursos que estão ao seu alcance.
Por sua vez, a ambidestria organizacional refere-se a capacidade de uma empresa de conseguir manejar processos que vão em direções contrárias (exploração e explotação) com equilíbrio afim de garantir que a empresa continue alinhada em seu objetivo, enquanto desenvolve os processos que a sustentam, mas também busca novas oportunidades de mercado através de inovações disruptivas.
Na literatura científica, a ambidestria é apresentada como alternativa que pode ocorrer através de três estratégias [2]:
Ambidestria arquitetural ou estrutural: método principalmente associado com as organizações que usam diferentes times ou unidades organizacionais separando entre elas aquelas cujas atividades serão exclusivamente de explotação e aquelas cujas atividades se direcionarão para a exploração.
Ambidestria sequencial: baseada na troca sequencial do modo de operação organizacional da empresa, onde ela se dedica integralmente para períodos de explotação e exploração de forma alternada.
Ambidestria contextual: combina as estratégias de explotação e exploração no mesmo local ao mesmo tempo.
Nesse aspecto, o estudo de Dąbrowska et al. (2019) [1], demonstram e debatem a forma como as estratégias de inovação aberta podem se sobrepor a rigidez estrutural, enquanto as estratégias que se utilizam dos princípios de ambidestria organizacional podem se sobrepor a rigidez de capacidade, através da análise de uma empresa que por muito tempo manteve-se segura no mercado, até perceber que era o momento de “acordar”.
A jornada de inovação aberta da Swarovski
Por conta do registro de uma patente de uma máquina que revolucionaria a forma como joias e semi-joias de pedras preciosas eram feitas, além de um nome forte e localização estratégia, a Swarovski permaneceu estável na indústria por mais de um século.
Foi em 2008, com o início da crise econômica global, que a empresa observou um aumento repentino de seus concorrentes, que ofereciam produtos similares de alta qualidade a preços mais baixos [1]. Além disso, diversas forças direcionadoras externas também se relacionavam com as mudanças desse mercado; como alterações nas preferências do cliente e tendências globais em termos de sustentabilidade, personalização, digitalização e avanços técnicos.
Assim, a empresa corria risco de perder sua coroa. De um monopólio seguro e confortável, viu-se em um cenário de hiper competição. Nesse momento, percebeu que o modelo de atuação onde mantinha suas tecnologias protegidas e os muros altos impedindo que o conhecimento saísse – mas também entrasse – não a sustentaria por muito mais tempo. Foi aí que se deu início a sua jornada de inovação aberta.
O estudo de Dąbrowska et al. (2019) [1] definiu a jornada da empresa em 3 etapas, uma totalmente fechada, uma com redes de inovação aberta e uma com rede de ecossistema.
No modelo fechado, chamado de “Protegendo as joias da coroa”, as colaborações externas para exploração eram poucas, escolhidas pela alta hierarquia e com objetivos fixos e muito bem definidos.
Quando percebeu que precisava ir além, a Swarovski identificou oportunidades em colaborações de (Pesquisa & Design) P&D entre setores para explorar o conhecimento e as tecnologias de players de setores não concorrentes, assim reconheceu a necessidade de abrir suas fronteiras para ideias e tecnologias externas e envolver diferentes parceiros de colaboração em diferentes estágios do processo de inovação. No entanto, foi um desafio devido à sua longa tradição de operar sob a abordagem de inovação fechada, com uma abordagem de gestão de cima para baixo e uma mentalidade cultural de inovação bastante fechada [1].
Apenas em 2012, foi iniciada uma mudança organizacional onde unidades de P&D anteriormente separadas e unidades de mercado selecionadas foram fundidas para formar um departamento de Pesquisa, Design e Innovación (PD&I). Essa mudança representou um grande passo de uma abordagem baseada em tecnologia para uma abordagem centrada no cliente. Nessa etapa, a Swarovski introduziu vários mecanismos de mudança e uma delas foi estabelecer uma equipe dedicada a colaborações externas – redes de inovação aberta [1].
O papel da equipe de redes de inovação aberta era definir uma nova estratégia para determinar quais práticas e processos (incluindo tipos de modos colaborativos, compartilhamento de conhecimento e políticas de gestão de propriedade intelectual) implementar e onde e como buscar novos conhecimentos, tecnologias e parcerias.
Nesse aspecto, a inovação aberta favoreceu a ambidestria estrutural, visto que possibilitou meios para que uma unidade voltada exclusivamente a exploração funcionasse sem afetar o modelo de negócios atual da empresa e seu desempenho em todos os processos que já desenvolvia.
Isso garantiu muitas oportunidades para a empresa. Além do desenvolvimento de novos produtos, aquisição de novas tecnologias para a explotação e uma vasta gama de colaboradores (que inclusive garantiu um prêmio de inovação aberta em 2015), a empresa decidiu que era preciso ir ainda mais longe em seu aprofundamento em um modelo de inovação aberta.
Assim, um de seus passos foi fechar a unidade de redes de inovação aberta.
Parece contraditório?
Mas quando visualizamos o objetivo da empresa com isso, não é: em vez de centralizar a inovação aberta departamentos específicos, a Swaroviski decidiu que a inovação aberta seria um novo paradigma por toda a empresa. Nesse aspecto, voltou-se para uma cultura de inovação aberta onde todos estariam envolvidos.
Assim, o departamento de Recursos Humanos foi amplamente acionado, e esforços para mudar a inércia e rigidez da equipe foram instituídos através de programas de treinamento, capacitações e incentivos ao compartilhamento de conhecimento internos e externos [1].
Desse modo, as atividades de exploração passaram a depender do contexto, visto que enquanto algumas unidades se voltavam para a exploração de forma mais frequente, outras alternavam com processos de explotação e algumas chegavam até mesmo a trabalharem como unidades de ambidestria contextual, desenvolvendo exploração e explotação ao mesmo tempo. A essa capacidade de administrar diferentes modelos de ambidestria os autores chamam ambidestria dinâmica, intensamente favorecida pela inovação aberta.
Como a Swarovski se tornou referência em inovação aberta
Em suma, a inovação aberta e ambidestria encontram-se como estratégias que vão de mãos dadas, em fluxos contínuos de favorecimento mútuo: uma intensifica a outra. Ainda, pode-se afirmar através da análise da Swarovski e o seu “despertar” conseguiu garantir que ocupasse um dos locais de liderança no mercado através das décadas, através do favorecimento da ambidestria organizacional como estratégia para romper o ciclo vicioso da rigidez de capacidade, enquanto os modelos de inovação aberta desatrelavam sua dependência organizacional na rigidez estrutural.
Referências
[1] DĄBROWSKA, Justyna; LOPEZ‐VEGA, Henry; RITALA, Paavo. Waking the sleeping beauty: Swarovski’s open innovation journey. R&D Management, v. 49, n. 5, p. 775-788, 2019.
[2] FAUSTINO SILVA, Carlos Marcelo (VIA Estação Ccnheciment0). Ambidestria organizacional: é preciso mais do que inovar. 2021. Disponível em: <https://via.ufsc.br/ambidestria-organizacional-e-preciso-mais-do-que-inovar/?lang=en> Acesso em 13 jun. 2022.
Carlos Marcelo Faustino da Silva
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