Uma análise sobre políticas de ciência, tecnologia e inovação
Traduzindo fundamentos em políticas regionais em um cenário de múltiplos níveis
Hoje no blog da VIA o tema é políticas para ciência, tecnologia e inovação. Este trabalho, foi o estudo semanal do nosso grupo de pesquisa. Tal temática é extremamente relevante, uma vez que, a política de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), direciona os esforços governamentais, principalmente, para investimentos na área.
O artigo discutido em questão foi dos autores Manuel Laranja (Universidade Técnica de Lisboa); Elvira Uyarra (Instituto de Pesquisa de Inovação de Manchester) e Kieron Flanagan (Instituto de Pesquisa de Inovação de Manchester). Tal pesquisa foi publicada em 2008.
Laranja, Uyarra e Flanagan (2008) comentam que há pouca concordância sobre como deve ser a “boa” política de ciência, tecnologia e inovação (CTI). Além disso, não são claros quais instrumentos devem ser usados e qual nível territorial é mais indicado. Soma isso, o fato de que uma variedade de intervenções muito diferentes pode ser justificada por abordagens “sistêmicas”.
Portanto, Laranja, Uyarra e Flanagan (2008) respondem algumas questões, como: Quais justificativas para a intervenção pública podem ser derivados de diferentes teorias econômicas? Quais instrumentos de política ou combinações de políticas podem ser associados às várias razões? E, por fim, o que essas teorias e justificativas revelam sobre os níveis territoriais de política que podem ser projetadas e implementadas?
Fundamentos para a política e insights teóricos
Mas qual a lógica escolhida para formulação de políticas de CT&I? Laranja, Uyarra e Flanagan (2008), por exemplo, pontuam que existem dois tipos de raciocínios diferentes que servem de logica de escolha. Estas são, meta-racionais que envolvem questões políticas e ideológicas e justificativa teórica, informada por acadêmicos.
Uma questão importante salientada pelos autores é de que as teorias raramente são traduzidas sem problemas em diretrizes políticas específicas. Ou seja, sempre é preciso haver uma análise ou adaptação do fundamento teórico para diretrizes políticas. Ainda, existem teorias que tem alto grau de “flexibilidade interpretativa” em termos políticos. Assim, uma mesma teoria pode ser utilizada de forma diferente, conforma a posição ideológica dos decisores políticos. Dessa forma, fica claro que, quanto maior a flexibilidade da teoria maior o seu “sucesso”.
Portanto, as teorias raramente podem ser adaptadas por atacado em uma transferência de ideias de um para um para a política. Assim, Laranja, Uyarra e Flanagan (2008) respondem a seguinte questão: como as teorias econômicas influenciam a escolha de políticas? Para os autores, a resposta é que as teorias, na melhor das hipóteses, sugerem atores, instituições, relações, espaços ou outros fenômenos específicos como alvos da ação política a fim de alcançar certos objetivos.
Outra questão é que justificativas teóricas e políticas podem ser combinadas. Ou seja, a lógica ideológica pode ser utilizada de forma conjunta com a teoria e vice-versa. Por exemplo, a justificativa política pode inspirar instrumentos específicos ou escolhas de combinação de políticas.
A partir de agora serão analisadas como as teorias econômicas trabalham com as intervenções políticas.
Teoria #1. O raciocínio neoclássico da intervenção pública na política de CTI
A teoria neoclássica considera a tecnologia apenas como informação (conhecimento codificado e, portanto, presente de uma forma perfeitamente utilizável) sobre questões técnicas e científicas. Portanto, diferentes atores transmitem uns aos outros. Assim, as empresas são consideradas com a mesma capacidade para incorporar as mesmas tecnologias.
Nessa lógica, empresas privadas precisam investir em tecnologia. Porém, como é um investimento carregado de incertezas, muitas empresas não o fazem. Portanto, o retorno incerto gera um desincentivo a investir em tecnologia. Como resultado, criam-se falhas de mercado. Dessa forma, são necessárias intervenções políticas de difusão e transferência de tecnologia-informação. Assim, o formulador de políticas é um otimizador que visa maximizar os benefícios coletivos sociais.
Uma questão a ser destacada dessa teoria, é que a mesma não dá atenção a questões espaciais. Portanto, espaço e a localização são irrelevantes. A justificativa de intervenções políticas é a superação de falhas de mercado. Segundo a teoria, “mecanismos naturais de mercado eliminarão gradualmente quaisquer disparidades econômicas entre e dentro das nações”.
Teoria #2. Teoria do crescimento endógeno schumpeteriano
Nesta teoria, a inovação é vista como resultado do aprendizado e investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Compreende-se que o conhecimento criado por P&D se espalha para os atores próximos. Dessa forma, o investimento privado em P&D não é tão alto, porque outros entes irão se beneficiar de um alto investimento, realizado por uma empresa. Portanto, torna-se necessário, promover políticas que possibilitem níveis mais altos de investimento privado. Assim, políticas se concentram em promover e possibilitar investimentos em P&D e capital humano.
Como visto, esta teoria defende que a proximidade geográfica é importante para aproveitar o transbordamento de conhecimento a partir do investimento realizado em P&D. Por sua vez, o capital humano é importante porque possibilitam que a região consiga aproveitar o conhecimento gerado.
Porém, isso gera um problema. Vejamos, quanto maior investimento em P&D maior o retorno. Assim, regiões com maior investimento e com capital humano tem maior retorno em consideração as regiões atrasadas. Isso resulta, portanto, em desigualdade regional. Além do mais, regiões com menor capacidade possuem menos massa crítica para absorver o conhecimento gerado. Dessa forma, este é um problema que precisa ser gerenciado.
Teoria #3. Abordagens neo-marshallianas: distritos industriais, clusters e meios inovadores
Esta é uma teoria, que ao contrário das anteriores possui maios número de dados empíricos na literatura. Isso porque, muitos de seus estudos são realizadas em regiões bem-sucedidas, como forma de aprender suas lições. Esta teoria, possui forte conotação territorial a nível regional. Até porque, Marshall criou a teoria de que a proximidade geográfica entre empresas do mesmo setor resultaria em menos custos de produção.
Assim, os neomarshallianos desenvolveram diversos conceitos, como distrito industrial que se concentra em externalidades econômicas; ambiente inovador que versa sobre aprendizagem coletiva e redução de incertezas; e, o conceito de cluster que busca vantagem competitiva pela proximidade de atores de produção.
Em última análise, essa teoria considera que a proximidade geográfica facilita a troca de informação, reduz a incerteza, aumenta a frequência de contatos interpessoais, facilita a confiança, a difusão de valores e crenças comuns e promove o aprendizado.
Portanto, a criação de políticas serve para investimentos em infraestruturas tecnológicas comuns e em P&D. A justificativa para intervenção política é para reduzir incertezas; promover aprendizagem; externalidades por meio de educação e treinamento comuns.
Porém, basta estar próximo? Esta teoria se concentra no aspecto geral do agrupamento e não na capacidade individual das empresas. Além do mais, é difícil de ser generalizada para prescrever políticas, porque leva em conta características únicas.
Teoria #4. Abordagens institucionais sistêmicas ao desenvolvimento regional
Esta abordagem deu origem a conceitos muito utilizados na formulação de políticas de CT&I, como sistemas nacionais de inovação e sistemas regionais de inovação. Este último, por exemplo, orienta a política de inovação da União Europeia, chamada estratégia regional de inovação. A teoria institucional sistêmica coloca ênfase explícita em instituições e redes de interações. Portanto, segundo a teoria, deve haver um arranjo institucional ideal para a promoção da inovação e da aprendizagem. Tal arranjo, é formado por instituições (formais) de coordenação, leis e regulamentos de negócios, regulamentos de patentes e apropriação de tecnologia, etc.
A justificativa de intervenção política é para resolver falhas sistêmicas. As falhas alhas sistêmicas surgem quando conexões e ligações do sistema são pobres ou não geram de conhecimento. Portanto, a sinergia entre instituições é fundamental.
Dessa forma, políticas baseadas nessa teoria, visam melhorar o desempenho sistêmico, ajudando a superar a inércia institucional e promover configurações institucionais que estimulem o aprendizado, o comportamento adaptativo, as interações e as associações entre os atores. Assim, o papel dos formuladores de políticas é de organizar, coordenar essa rede ao invés de planejar.
Porém, como outras teorias também possui objeções. Isso, porque fornece pouca orientação para formulação ou seleção de instrumentos de política específicos apropriados para a construção e coordenação de interações dinâmicas entre os vários componentes do sistema. Assim como, para induzir novas atitudes e mudanças de comportamento.
Teoria #5. A abordagem evolucionista-estruturalista das políticas regionais de CTI
Diferentemente da teoria 1, esta teoria considera a tecnologia como uma mistura de conhecimento tácito e explícito que não pode ser simplesmente reduzida a informações. Portanto, a inovação e difusão são consideradas coletivas, cumulativas, como processos dependentes de caminho e contexto, variando entre diferentes tipos de atores, firmas, indústrias, regiões, etc.
Dessa forma, possui um grau razoável de sobreposição entre ideias institucionais sistêmicas e evolucionistas. Porém, a diferença é que a teoria evolucionista adota uma visão ampla, não apenas focada nas instituições. Mas sim, considera as instituições co-evoluem.
Portanto, o papel da política apontada nessa teoria, serve para favorecer os processos de aprendizagem e aumentar a probabilidade de comportamento experimental. Por sua vez, a intervenção é justificada pela necessidade de evitar situações de aprisionamento, ou seja, não evolução e falta de dinâmica entre os atores. Assim, a política deve promover combinações dinâmicas entre as características específicas das trajetórias tecnológicas, assim como, das características da região.
Dessa maneira, a política deve “ser sensível às dependências locais de caminho” e visar a necessidade de reestruturar a composição tecnológica e setorial, não apenas atuando em instituições e facilitando interações. Em suma, a perspectiva evolucionista-estruturalista sugere a necessidade de adotar uma abordagem flexível em múltiplas escalas.
Resumo e observações finais
Por fim, cabe esclarecer que as lógicas extraídas das teorias podem fornecer orientações úteis para a política. Porém, nem sempre são prescritivas em termos de escolha de instrumentos políticos.
Como resumo das teorias, as abordagens de crescimento neoclássico e endógeno tendem a adotar uma visão espacial do crescimento econômico.
Por sua vez, as abordagens neo-marshallianas enfatizam a necessidade de explorar economias de escala externa no nível local, inclusive naquelas regiões com uma dotação mais pobre de capacidades de P&D.
Já as abordagens sistêmicas veem a inércia institucional e as disfunções sistêmicas como fatores-chave que explicam o subdesenvolvimento relativo nas regiões menos favorecidas e, portanto, um alvo-chave para as políticas.
Por fim, as abordagens evolutivas apoiam a necessidade das regiões se adaptarem adequadamente as novas condições, mantendo a flexibilidade e a diversidade no sistema.
Como conclusão, cabe ressaltar que diferentes teorias não se invalidam, mas se complementam. Assim aumentam a complexidade da política pública.
Quer saber mais sobre políticas de inovação? Acesse o mapa de leis de inovação da VIA.
Referências
LARANJA, Manuel; UYARRA, Elvira; FLANAGAN, Kieron. Policies for science, technology and innovation: Translating rationales into regional policies in a multi-level setting. Research policy, v. 37, n. 5, p. 823-835, 2008.
Guilherme Paraol
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