Inovação Aberta como enfrentamento ao Novo Coronavírus
Inovação aberta ganha visibilidade com o coronavírus
Com a premissa de que boas ideias podem vir de todo lugar, a inovação aberta torna-se um imperativo em tempos de crise (CHESBROUGH, 2020). Esse conceito é bastante discutido na literatura e, de uma forma abrangente, parte do princípio de que quando um ator de um ecossistema de inovação, seja ele uma organização, uma universidade ou qualquer outro, interage com uma rede de atores, há um maior fluxo de troca de conhecimentos (WEST et al. 2014).
Interação do ecossistema de inovação durante a crise
Nesse sentido, com a perspectiva da participação de todo um ecossistema em ações que amenizassem a crise do novo coronavírus, o estudo de Niankara et al (2020) analisou o desenvolvimento de vacinas em um sistema de Quádrupla Hélice dos Emirados Árabes Unidos. Esse sistema considera a Academia, Indústria, Governo e Sociedade como os quatro maiores atores relativos à inovação.
Os autores apontam uma maior precisão da Quádrupla Hélice em relação a Tríplice Hélice (que consiste apenas em Academia, Indústria e Governo). Tendo em vista que tecnologias emergentes melhor correspondem às demandas da sociedade quando ela é envolvida no processo. Assim, considerando a vacina, por exemplo, um dos prospectos de erradicação da pandemia, entender as preferências desta quarta hélice é a chave para garantir confiança e suporte nas áreas da biotecnologia envolvidas (NIANKARA et al., 2020).
Além disso, reforçam que na forma de um sistema de inovação de Quádrupla Hélice, o caminho de desenvolvimento contínuo para uma vacina do COVID-19 eficaz deve considerar uma interação ampla. Assim, não apenas da indústria, governo e academia, mas também com sinergia entre atores das áreas de biotecnologia e farmacêuticas.
Nesse sentido, é importante ressaltar o destaque no papel funcional da interação entre essas hélices. À medida que essa interação é imprescindível para a inovação e o desenvolvimento de artefatos tecnológicos, sobretudo, da tecnologia envolvida na própria produção da vacina (NIANKARA et al., 2020).
Os resultados da inovação aberta
Dessa forma, um exemplo claro de que essa interação traz resultados positivos foi o próprio desenvolvimento de vacinas em menos de um ano após o início da pandemia. Uma das vacinas, a Astrazeneca, pode ser apresentada como o fruto da inovação aberta através da interação entre os atores de um ecossistema. Isso em razão de ter sido desenvolvida pela Astrazeneca, uma farmacêutica, através de parceria com a Oxford University. E, além disso, contou com uma forte articulação e financiamento do governo britânico para sua viabilização (SAGRES BRASIL, 2021).
“COVID-19 apresenta ao mundo uma escolha brutal entre economia e saúde pública. Os investimentos em inovação são essenciais para evitar essa escolha. – ainda se considerado o custo mínimo em comparação com as perdas econômicas atuais e outros programas de emergência.” Editorial “Beat COVID-19 thorugh innovation.”, dos professores Pierre Azoulay (Massachusetts Institute of Technology) e Benjamin Jones (Northwestern University), 2020.
Comunicação ampla entre os atores
Além disso, prevendo uma participação ativa da sociedade nas relações que amenizam a pandemia, Gesualdo et al. (2021) apontam que a inovação também precisa estar presente nos processos de comunicação e informação durante esse período. Dessa forma, eles afirmam que as atividades de comunicação de vacinas podem ser combinadas com percepções de ciência de dados, comunicação de risco, mudança de comportamento, pensamento de design e marketing digital. Afinal, isso porque quanto mais transparência na comunicação, mais confiabilidade entre a sociedade e os demais.
Colaboração coletiva para a inovação aberta
Assim sendo, conhecendo os benefícios da abordagem da inovação aberta e a interação entre atores de um ecossistema, várias ações foram planejadas e executadas tendo como objetivo integrar fontes de conhecimento disseminadas em além daquelas disponíveis para uma única organização. Uma dessas ações em específico ganhou destaque durante a pandemia: os hackathons.
Conhecidos como maratonas de inovação aberta, esses eventos de imersão têm sido usados para liberar o potencial de inovação de indivíduos. Nesse aspecto, eles se reúnem voluntariamente com o objetivo de resolver problemas específicos (BERTELLO et al., 2021).
O recente estudo de Bertello et al (2021) analisava o caso do hackathon EUvsVirus, liderado pelo Conselho Europeu de Inovação. O EUvsVirus foi um hackathon online de 3 dias para conectar a sociedade civil, inovadores, parceiros e investidores em toda a Europa. Objetivava desenvolver soluções inovadoras para os desafios relacionados ao coronavírus e com 30.000 participantes teve mais de 2.000 projetos apresentados.
O estudo destacou o papel que a inovação aberta desempenha como gatilho para ativar a colaboração entre fontes tradicionais e ecléticas em aprimoramento da capacidade coletiva de proteger a vida humana. Dessa forma, apontou que a combinação do conhecimento de especialistas, estudantes e público geral de todas as esferas pode levar ao surgimento de soluções inovadoras inesperadas para enfrentar problemas complexos como os causados pelo COVID-19 (BERTELLO et al. 2021).
Case nacional
No Brasil houve algumas iniciativas como essa. O Hack for Brazil | Covid-19 ilustra bem como integração para a inovação aberta funciona quando articulada com diversos atores.
Tendo sido executado de forma online com o objetivo de buscar ideias para minimizar os efeitos da Covid-19, idealizou-se através da aceleradora de startups Grow+. Foi executado por meio de uma parceria entre 40 instituições, incluindo a Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul e a Prefeitura de Porto Alegre. O evento teve 2.350 inscritos e mais de 1.000 participantes engajados (VERSCHOORE, 2020).
Importante ressaltar que hackathons acontecem em diversas áreas, sejam elas de tecnologia, logísticas e até jurídicas, sejam para áreas privadas ou públicas.
Com efeito, esse novo direcionamento dos hackathons enquanto ferramentas de combate aos impactos da pandemia valida como a inovação aberta pode e deve ser impulsionada como chave para o desenvolvimento de soluções de forma coletiva.
As lições que ficam deste período
Chesbroguh (2020) destaca que o conhecimento de um ator tem dois fluxos, para fora, mas também para dentro, assim quando ele se integra através da inovação aberta, também é beneficiado.
Em seu artigo que investigava o papel da inovação aberta na recuperação da crise do Covid-19, ele deixa claro que na luta contra uma pandemia a velocidade é crucial. Destaca que ao integrar-se num ecossistema através da inovação aberta, mobiliza-se o conhecimento oriundo de muitos diferentes lugares. Isso faz com que conheçamos mais de forma mais acelerada, e assim, de forma mais acelerada, possamos agir (CHESBROUGH, 2020).
A inovação aberta após a crise
Por fim, o autor termina seu estudo com lições para administrar a inovação aberta no período de pós-crise, sendo um fator que traz benefícios mesmo em tempos normais:
1) Encorajar profundamente o engamentode cientistas e engenheiros com a comunidade científica. Assim, ao trabalharem em conjunto com a comunidade poderão aprimorar seu próprio conhecimento e fornecer validação adicional para inovações em potencial (CHESBROUGH, 2020).
2) Muitas das demandas desafiadoras enfrentadas podem ter soluções já desenvolvidas por atores externos pelo mundo. Dessa forma, quando se compartilha essas demandas, junto com suas relevâncias científicas e dados técnicos em plataformas abertas, aumenta-se a possibilidade de alguém daquela área surgir com ideias para o que foi exposto (CHESBROUGH, 2020).
3) Igualmente, deve-se trabalhar com uma equipe jurídica mais aberta e criativa em relação à propriedade intelectual interna. Por exemplo, várias companhias costumam separar suas propriedades intelectuais. Consideram aquelas que devem ser registradas o mais brevemente possível, mas também outras que podem ser compartilhadas com grupos seletos como parceiros comerciais. E, por fim, outras que podem ser abertas para todos (CHESBROUGH, 2020).
4) Ao alcançar um grande avanço tecnológico pode ser uma boa ideia licenciar as tecnologias anteriores de forma que possam ser espalhadas para novos mercados. Assim, isso pode aumentar os mercados que utilizam aquela tecnologia, que agora poderão visar também seu novo produto inovador (CHESBROUGH, 2020).
Portanto, compreende-se que muitas das ferramentas possibilitadas pela inovação aberta têm sido utilizadas no desenvolvimento de soluções. Desde as mais simples como as que visam comunicação com a população nesse período, até aquelas mais complexas e que podem ser a chave para a erradicação do vírus, como as vacinas. Ademais, a inovação aberta em crises não deve ser sublinhada em detrimento de sua utilização em períodos regulares. Isto, visto que seus benefícios prevalecem mesmo nessas situações.
REFERÊNCIAS
AZOULAY, P.; JONES, B. Beat COVID-19 through innovation, 2020.
BERTELLO, A.; BOGERS, M. L. A. M.; DE BERNARDI, P. Open innovation in the face of the COVID‐19 grand challenge: insights from the Pan‐European hackathon ‘EUvsVirus’. R&D Management, 2021.
CHESBROUGH, Henry. To recover faster from Covid-19, open up: Managerial implications from an open innovation perspective. Industrial Marketing Management, v. 88, p. 410-413, 2020.
GESUALDO, Francesco; BUCCI, L. M.; RIZZO, C.; TOZZI, A. E. Digital tools, multidisciplinarity and innovation for communicating vaccine safety in the COVID-19 era. Human Vaccines & Immunotherapeutics, p. 1-4, 2021.
NIANKARA, I.; MUQATTASH, R.; NIANKARA, A.; TRAORET, R. I. COVID-19 Vaccine Development in a Quadruple Helix Innovation System: Uncovering the Preferences of the Fourth Helix in the UAE. Journal of Open Innovation: Technology, Market, and Complexity, v. 6, n. 4, p. 132, 2020.
SAGRES BRASIL, 2021. O que as vacinas podem nos ensinar sobre inovação aberta? MIT Sloan Review Brasil. Disponível em: <https://mitsloanreview.com.br/post/o-que-as-vacinas-podem-nos-ensinar-sobre-inovacao-aberta> Acesso em: 11 abr. 2021.
VERSCHOORE, J. R. A coordenação de esforços coletivos para enfrentar a pandemia do novo coronavírus: um estudo de caso sobre o hackathon Hack for Brazil| Covid-19. REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre), v. 26, n. 2, p. 238-264, 2020
WEST, J., SALTER, A., VANHAVERBEKE, W., CHESBROUGH, H. Open innovation: The next decade. Research Policy, Volume 43, Issue 5, 2014, Pages 805-811. https://doi.org/10.1016/j.respol.2014.03.001.
Carlos Marcelo Faustino da Silva
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