Como Amsterdã tem apostado na incubação de startups para criar soluções urbanísticas
Amsterdã tem procurado seguir as premissas de uma cidade inteligente em vistas de criar uma qualidade de vida mais saudável para seus cidadãos [2]. Nessa perspectiva, vislumbram as startups e seu grande potencial de impacto econômico como uma boa aposta para criar soluções urbanísticas.
Startups e soluções urbanísticas: porque pensar a respeito
Para os estudiosos da área, não é incomum associar as startups como empresas que buscam tratar uma “dor”, ou seja, uma demanda pela qual o mercado anseia por soluções. Seguindo a premissa de construção de valor em conjunto com seus possíveis consumidores, esses negócios trazem uma proposta de aliar a inovação para constituição de modelos de negócios sustentáveis e com potencial de escalabilidade. Ou seja, buscam resolver uma demanda, mas ao mesmo tempo, de forma que tenham retorno financeiro [5].
Dessa forma, o sucesso de uma startup baseia-se, sobretudo, na aceitação daquela solução pelo mercado. Quando essas empresas conseguem oferecer uma solução viável que realmente impacte positivamente na dor que estão tratando, não é difícil começarem a crescer de forma acelerada e se popularizarem no ecossistema em que estão inseridas.
Entretanto, por mais simples que isso possa parecer, trata-se de uma abordagem que envolve diversas variáveis e que deve ser precisa em sua intervenção. Principalmente pelo fato de que, no início, essas empresas estão inseridas em um ambiente de incerteza, sem um mercado propriamente validado devido ao seu caráter inovador e com poucos recursos à disposição. Nesse sentido, é muito importante para as startups que compreendam de fato o problema em que irão focar e sejam assertivas em suas proposições [5].
Dessa forma, visando incorporar a necessidade das startups de se alinharem com problemas reais para embasar suas soluções e o desempenho do impacto dessas empresas quando bem-sucedidas, algumas iniciativas governamentais surgem como alternativa. Como por exemplo, fazer uma ligação entre a necessidade dessas empresas pela exatidão quanto ao problema que vão focar e os gargalos que perduram no cotidiano urbano dos cidadãos. Essa é a ideia do Startup in Residence, em Amsterdã.
Startup in Residence – startups para criar soluções urbanísticas
O Startup in Residence (SiR) é um programa de incubação para startups cujas soluções sejam voltadas para melhorar a qualidade urbana [4]. Sendo uma iniciativa do Startup Amsterdam, um programa que reúne os setores público e privado para apoiar empreendedores [1] e do Chief Technology Office (CTO ou Escritório de Tecnologia) da cidade, o programa colabora com todos os departamentos do município para fazer a inovação acontecer na cidade. Assim, trabalha temas como e-saúde, economia circular, mobilidade inteligente, economia de compartilhamento, cooperação com startups e compras inovadoras [2].
A função básica do SiR é endereçar startups para a inovação urbana através de uma “contratação pública de inovação”. Dessa maneira, eles formam um ciclo mútuo de benefícios entre a cidade e essas empresas, visto que esperam melhorar qualidade de vida urbana e, simultaneamente, promover o cenário empresarial local [3].
Assim, o programa é administrado por uma estrutura de intermediação entre departamentos da cidade e startups locais. Dessa forma, são coletados e definidos os desafios relevantes da cidade, organizando um processo competitivo no qual as startups se candidatam para desenvolver soluções eficazes. Após isso, as startups selecionadas são orientadas a co-desenvolver e implementar essas soluções em conexão com os departamento da cidade [3]. Com mais de 51 desafios definidos desde o início do programa em 2015, dezenove outras cidades, províncias e ministérios já se inspiraram no programa para replicar ações similares em seus territórios [4].
“Amsterdã está crescendo rapidamente. Isso cria desafios sociais que queremos enfrentar. O município não pode fazer isso sozinho. Ao colaborar com startups jovens e inovadoras, soluções criativas e inteligentes são planejadas para questões urbanas através do desenvolvimento de ferramentas novas e inovadoras. É nisso que se baseia o nosso programa Startup in Residence”. [Startup in Residence, Impact Report, 2019]
Quem pode participar?
Procedimento comum em programas governamentais, as startups precisam passar por um processo seletivo pré-estabelecido e cumprir alguns requisitos para serem consideradas aptas. Assim, algumas considerações importantes surgem como premissa para receberem o apoio e benefícios do programa.
Exemplo: embora a empresa deva possuir um MVP*/protótipo/versão beta, o negócio ainda não deve ter clientes pagos pelo produto fornecido como solução. Isso, visto que a própria cidade tem a intenção de se tornar o cliente inicial através do programa. Do mesmo modo, se o negócio consistir em uma entidade jurídica, a empresa não deve ter mais de dez funcionários assalariados. Também, não pode ser uma startup que se originou de algum outro grande negócio.
*Minimum Viable Product, ou Produto Mínimo Viável: versão inicial da solução empregando o mínimo de recursos, mas com a possibilidade de testar a hipótese de forma eficiente.
Como funciona?
O Startup in Residence é um programa de treinamento com duração de 6 meses. Dessa forma funciona como uma espécie de incubadora governamental [4]. Empreendedores participantes do programa entrevistados em um estudo que analisava o SiR afirmam ter essa mesma percepção de incubação [3], embora com um “extra” de que, ao final, a própria cidade de Amsterdã poderia se tornar um cliente em potencial.
Nesse aspecto, os participantes do programa desenvolvem suas atividades juntamente com clientes de organizações municipais que lidam com os desafios sociais no dia a dia. Assim, recebem orientação de mentores profissionais e acesso a um grande conjunto de conhecimentos e experiência. A prefeitura disponibiliza escritórios e os empreendedores podem executar projetos pilotos na cidade para testar as novas soluções que surgem [4].
O programa oferece, portanto, a possibilidade de experimentar e testar produtos com sucesso em um estágio inicial, a fim de reduzir os riscos adicionais da compra de produtos ou serviços. A cidade espera que não apenas essas soluções escalem e se tornem populares, como maiores investimentos em inovação também comecem a serem atraídos [4].
Para resumir, a ambição do programa SiR em estimular a cocriação público-privada se traduz em três objetivos específicos:
- Desenvolvimento de soluções inteligentes para a cidade e seus residentes;
- Facilitar a inovação no município;
- E habilitar compras inovadoras.
As etapas e objetivos do programa Startup in Residence
Conforme representação acima, disponibilizada no manual acessado no site do SiR, há um período de pré-programa que pode se estender de 3 a 6 meses onde os clientes de organizações municipais direcionam os desafios que as startups devem suprir. Quando se encontram, trabalham por seis meses na orientação e desenvolvimento da solução, para que enfim possam cumprir algum dos – ou todos – objetivos finais.
Resultados – o impacto das soluções urbanas
Em seu último relatório o programa aponta que durante três anos já foi possível endereçar 51 desafios urbanísticos, tendo 340 inscrições, trabalhado com 34 startups que geraram 23 parcerias público-privado [4]. Entre alguns de seus cases de sucesso, destacam-se startups desenvolvidas para um fluxo de trânsito mais inteligente, também pensando em soluções para que os usuários dos canais aquáticos tivessem uma passagem suave e uma navegação segura, assim como outras que visam impactar positivamente a porcentagem de separação de resíduos recicláveis, por exemplo, tornando o processo mais simples e lógico para os residentes e empresas, afim de que fiquem mais motivados para fazer a sua parte. Assim, diversas outras áreas urbanas são contempladas pelas soluções desenvolvidas e podem ser conferidas no relatório.
Uma recente pesquisa científica que analisava o programa [3] (2019), entretanto, contrapôs um fato a se atentar. No geral, as startups participantes apontaram que apesar da intermediação ativa, ainda não havia evidências fortes de que os intercâmbios estruturados e contínuos com os departamentos da cidade garantiam potencial de implementação da proposta co-criada. Ou seja, nesse aspecto, elas funcionam apenas para um cliente/departamento da cidade, e não há mecanismo integrado no SiR para ampliar as soluções até mesmo dentro do próprio município [3].
Mas, segundo esse mesmo estudo, isso não é impeditivo para impactos positivos do programa em outros aspectos, como a sensibilização pela área em vários níveis, gerando inovações institucionais expressivas, mesmo que não se concretizam em soluções diretas para problemas urbanos ou desenvolvimento de startups [3].
Do mesmo modo, além de desenvolver a inovação em si, a maioria das startups valorizou a possibilidade de apenas promover o desenvolvimento de sua proposta de negócio, fazer novos contatos e aprender sobre a cultura organizacional do setor público. Portanto, o programa possibilitou discussões amplas, nas quais não só o desafio da cidade, mas também o potencial da proposta de inovação enquanto negócio foi trabalhado [3].
Dica de conteúdo
Você pode conhecer mais do Startup in Residente no site oficial do programa e mais sobre startups no nosso e-book Startup: Alinhamento conceitual.
REFERÊNCIAS
[1] Startup in Residente. Startup in Residence, Programme. 2021. Disponível em: <https://startupinresidence.com/amsterdam/programme> Acesso em 24 jul. 2021.
[2] Amsterdam Smart City. City of Amsterdam: Chief Technology Office. 2021. Disponível em: <https://amsterdamsmartcity.com/organisations/chief-technology-office> Acesso em 24 jul. 2021.
[3] VAN WINDEN, Willem; CARVALHO, Luís. Intermediation in public procurement of innovation: How Amsterdam’s startup-in-residence programme connects startups to urban challenges. Research policy, v. 48, n. 9, p. 103789, 2019.
[4] COLLETTE, S. Startup in Residence: Impact Report, 2019. Disponível em: <https://startupinresidence.com/amsterdam/media/sites/2/2019/06/Startup_In_Residence_Report_Engels.pdf> Acesso em 24 jul. 2021.
[5] GASPAR, J. V.; TEIXEIRA, C. S. Startup: Alinhamento conceitual [recurso eletrônico] – Florianópolis: Perse, 18p. : il. 2016. Disponível em: <https://via.ufsc.br/download-startup/> Acesso em: 24 jul. 2021.
Carlos Marcelo Faustino da Silva
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