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O Plano Nacional IoT nas cidades e a privacidade dos dados urbanos

Entre 2017 a 2018, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC), junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ao Consórcio formado pela Consultoria McKinsey, Fundação CPqD e escritório Pereira Neto & Macedo Advogados conduziram um estudo de Internet das Coisas (IoT). O estudo fundamentou-se em quatro diferentes fases e o seu resultado final contribuiu para a elaboração e implementação do Plano Nacional de Internet das Coisas, em junho de 2019. O plano traça as diretrizes de ações para o desenvolvimento de IoT no país e, atualmente, se estabelece como uma das tantas outras ações de transformação digital do governo federal. 

Com base nos resultados do estudo prévio, o Plano Nacional de IoT prioriza quatro principais verticais de desenvolvimento: as de Cidades, Saúde, Rural e Indústria. Elas tendem a ser o foco das aplicações IoT nos próximos anos no país.

O que diz o Plano Nacional IoT na vertical Cidades?

Os dois principais documentos gerados no estudo IoT e que guiam o Plano Nacional IoT na vertical cidades são o Relatório de Aprofundamento de Verticais de Cidades [1] e a Cartilha das cidades [2]. Ambos descrevem os desafios atuais enfrentados pelas cidades brasileiras, os projetos de soluções IoT no território urbano nacional e os seus impactos e benefícios nas diversas dimensões urbanas. 

Os documentos reconhecem ao menos dez eixos temáticos de oportunidades e desafios nas cidades do Brasil, porém apenas três são aprofundados no estudo, uma vez que apresentam maior relevância às aplicações de IoT em curto e médio prazo. Sendo assim, os eixos temáticos selecionados são: (1) mobilidade, (2) segurança pública e (3) eficiência energética, saneamento e outros. Em cada eixo, foram sugeridos diferentes projetos de IoT, sendo 9 deles no eixo de mobilidade, 3 no eixo de segurança pública e 13 no eixo de eficiência energética, saneamento e outros. 

 

Exemplos de aplicações IoT no Plano Nacional. Fonte: BNDES, 2017, p.25.

 

Quais os benefícios da IoT nas cidades?

Ao monitorar, coletar e processar automaticamente e em tempo real uma ampla gama de dados urbanos, a IoT oferece um diagnóstico preciso da vida nas cidades. Os dados coletados apontam para novas informações e conhecimento necessários na criação de soluções inovadoras, que atendem os desafios complexos da realidade contemporânea. 

Nesse sentido, o monitoramento dos territórios urbanos se estabelece como uma possibilidade de captar informações relevantes de interesse público, que possam auxiliar na governança das cidades, no engajamento cívico, no planejamento urbano e na disseminação e aprimoramento do conhecimento em geral, sempre em busca da promoção da qualidade de vida nas cidades. Além do mais, as aplicações IoT também sugerem um benefício econômico, reduzindo custos ao automatizar processos e procedimentos de forma remota e interconectada.

 

A segurança e a privacidade dos dados coletados

A IoT nas cidades envolve diversos tipos de sensores. Alguns deles são voltados à coleta de dados mais técnicos e objetivos, como a qualidade do ar, o volume de ruído, a temperatura etc [2]. Já outros sensores são capazes de monitorar e coletar dados pessoais do cidadão, identificando ou permitindo identificar o titular dos dados. 

Tal fato levanta o debate ético e político sobre os limites entre a privacidade nos espaços públicos [3], que tende a se intensificar de forma muito mais complexa quando todas as “coisas” realmente estiverem conectadas entre si. A partir de então, as tecnologias IoT são compreendidas sob outra perspectiva, relacionada não apenas aos dados mas, principalmente, aos cidadãos e o seu direito de privacidade, mesmo quando inseridos no espaço público. 

Os autores Cordeiro e Beiguelman [3] apontam para o “efeito big brother” das IoT no espaço urbano, um problema de liberdade pessoal que torna a vida íntima em um dado público. Nesse caso, os dados do cidadão permanecem sob o controle de grandes empresas de tecnologia e do poder público, instituições responsáveis por implementar os sistemas tecnológicos no território.

 

Fonte: Unsplash.

 

Um bom exemplo do efeito big brother seria o Centro de Operação no Rio de Janeiro. O centro une diferentes agências governamentais e empresas parceiras que compartilham permanentemente e em tempo real as imagens de milhares de câmeras espalhadas pela cidade. Os dados são combinados às informações de satélite e outros elementos meteorológicos e, posteriormente, mapeados e disponibilizados ao cidadão pelo site do projeto ou por aplicativos de celular. 

Ao mesmo tempo em que o Centro de Operação é capaz de coletar e monitorar imagens e dados do cidadão, também controla e avalia a segurança da cidade, disparando alertas de trânsito e meteorológicos, advertindo a população, por exemplo, sobre os pontos de via interditada ou de enchentes na cidade em determinada hora do dia.  Um exemplo similar em Florianópolis é o projeto da prefeitura Floripa em Tempo Real, com ao menos treze câmeras instaladas pela cidade e acessíveis ao cidadão.

 

Centro de Operações, no Rio de Janeiro. Fonte: COR. Disponível em: http://cor.rio/.

 

O Plano Nacional de Internet das Coisas indica dois possíveis cenários em relação à garantia da privacidade do cidadão. O primeiro se refere ao uso das aplicações IoT nas cidades por empresas ou setor privado, quando deve-se respeitar o Marco Civil da Internet e o Decreto nº 8.771/2016. Já quando os dispositivos IoT são utilizados pelo poder público, o órgão ou entidade pública deve respeitar o quadro legal de proteção de dados pessoais, através do consentimento prévio ou da anonimização dos dados. 

Porém, há ressalvas nos casos onde faz-se necessário o monitoramento e coleta de dados relacionados à prestação de serviços públicos essenciais. Por exemplo, a coleta de dados do sistema de bilhete eletrônico no transporte público, o caso do “bilhete único” de São Paulo [2]. A coleta de tais dados é necessária para melhoria da prestação de determinado serviço, podendo ficar livre de consentimento público. 

Ainda assim, nesses casos, os dados devem ser utilizados apenas para a finalidade em que foram obtidos, e necessitam ser armazenados com alto nível de segurança, sem qualquer direito de transferência a terceiros. Ao cidadão também atribui-se o direito do acesso às informações coletadas de interesse público, garantido pela Lei de Acesso à Informação (LAI) [2]. 

Em geral, diante dos desdobramentos das tecnologias IoT no território urbano, a maioria dos debates ao redor de medidas de proteção e privacidade de dados da população ainda mostram-se como um ponto frágil que deve ser amadurecido em conjunto com os avanços das inovações.

 

Referências

[1] BNDES. Produto 7A: Aprofundamento de Verticais – Cidades. 2017. Disponível em: <https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/ArquivosInternetDasCoisas/fase3_7a_relatorio-de-aprofundamento-das-verticais-cidades.pdf>. Acesso em: 02, jun., 2021.

[2] BNDES. Cartilha de Cidades. McKinsey & Company, 2018. Disponível em: <https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/ArquivosInternetDasCoisas/fase4_13_cartilha-de-cidades.pdf>. Acesso em: 02, jun., 2021.

[3] CORDEIRO, A. V.; BEIGUELMAN, G.. Smart city and Internet of Things: Possible changes in the public space. In: 16th International Conference CAAD Futures 2015, The next city – New technologies and the future of the built environment. São Paulo, pp. 90-98, 2015. 

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Aline de Camargo Barros

Graduada em Arquitetura (SENAC - SP) e mestranda em Design (UDESC), investiga projetos inseridos no ambiente urbano, suas diretrizes e possibilidades diante das inovações tecnológicas da realidade contemporânea, buscando um viés centrado nas necessidades e demandas do cidadão e da comunidade.

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