CPSI E Risco

O Risco na Inovação Pública: Como o CPSI Reconhece e Gerencia a Incerteza Tecnológica

Inovar, por definição, significa lidar com o novo, o incerto, o experimental. No setor público, essa dinâmica encontra um ambiente regulatório historicamente avesso ao risco, estruturado para a previsibilidade e o controle. Nesse cenário, o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), instituído pela Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups), representa uma ruptura normativa significativa. Isso porque pela primeira vez, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece e incorpora expressamente o risco tecnológico como parte legítima de uma contratação pública.

Este texto tem por objetivo refletir sobre a natureza do risco na inovação, demonstrar como o CPSI lida com essa questão e apontar os caminhos possíveis para que a administração pública possa inovar sem medo.

 

Inovação e risco: uma relação inevitável

A inovação, por definição, carrega incertezas. Diferentemente das aquisições convencionais, onde se adquire algo previamente testado, inovar pode implicar criar ou experimentar algo ainda não validado em larga escala. É o que o setor privado já conhece bem: a lógica de teste, erro e aprendizado.

No setor público, no entanto, o medo do erro  e de suas consequências legais é paralisante. Em contextos marcados pela responsabilização pessoal do gestor, a aversão ao risco tornou-se quase uma cultura. Não à toa, por muitos anos, as contratações de inovação no Brasil foram tratadas de forma residual e com baixa segurança jurídica.

Nesse sentido, o CPSI surge como um instrumento normativo inovador, ao propor uma forma de contratação voltada especificamente para soluções em estágio de desenvolvimento, ainda incertas, mas com potencial de resolver problemas públicos complexos. E o mais importante é que o próprio texto legal reconhece que esses projetos podem falhar.

 

O que diz a Lei Complementar nº 182/2021 sobre risco tecnológico?

O artigo 13 da LC nº 182/2021 estabelece que a administração pública poderá celebrar Contrato Público para Solução Inovadora com pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem risco tecnológico, para testar soluções que ainda não estejam disponíveis no mercado.

Já o artigo 14 especifica que o contrato deve conter, entre outras cláusulas obrigatórias, a matriz de riscos entre as partes, incluindo os riscos tecnológicos (§ 1º, III). Ou seja, o risco deixa de ser algo implícito e passa a ser tratado de forma explícita, contratualmente distribuído.

Além disso, o § 4º do mesmo artigo dispõe que, nas hipóteses em que houver risco tecnológico, os pagamentos serão realizados proporcionalmente aos trabalhos executados, conforme cronograma estabelecido. Isso significa que mesmo que a solução não alcance todos os objetivos previstos (o que é natural em contextos de inovação), o contratado poderá ser remunerado pelo esforço de desenvolvimento e validação parcial, desde que haja cumprimento da execução pactuada.

Esse dispositivo é especialmente relevante por proteger tanto o ente público (que terá clareza sobre o risco assumido) quanto o parceiro privado (que não será penalizado por eventuais falhas inerentes ao processo inovador).

 

Risco como oportunidade de aprendizado institucional

Um dos maiores méritos do CPSI é permitir que a administração pública teste soluções inovadoras em ambiente real de uso, por meio de contratações que admitem o fracasso como parte do processo.

Em vez de buscar apenas a entrega final e definitiva, a lógica do CPSI valoriza o processo de aprendizagem. A contratação deixa de ser apenas uma relação comercial e passa a ser um instrumento de transformação institucional, no qual o governo testa, erra, ajusta e aprende, tudo isso junto com o mercado.

Isso é particularmente importante em contextos complexos, como os enfrentados por governos que buscam digitalizar serviços, melhorar mobilidade urbana, enfrentar crises climáticas, ou tantos outros dilemas atuais para os quais as soluções tradicionais já não parecerem mais respostas adequadas. Para esses casos, é preciso experimentar.

 

O medo da responsabilização: como o CPSI ajuda a superá-lo

Um dos entraves históricos à inovação no setor público é o receio de que qualquer iniciativa que não gere o resultado final idealizado acarrete sanções aos gestores envolvidos. O medo da responsabilização por parte dos órgãos de controle leva à inércia: “é melhor não fazer nada do que arriscar fazer algo novo e ser responsabilizado”.

O CPSI contribui para mudar esse cenário por três razões principais:

  1. Base legal específica: com regras claras, a contratação deixa de ser uma zona cinzenta e passa a ter respaldo jurídico, na medida em que se trata de uma modalidade especial de licitação.

  2. Matriz de riscos: ao distribuir responsabilidades, o instrumento protege o gestor público de responder por eventuais falhas que já estavam previstas e aceitas contratualmente.

  3. Remuneração proporcional: ainda que a solução não seja totalmente bem-sucedida, o contratado poderá receber pelos marcos cumpridos, evitando disputas e prejuízos desnecessários.

Com esses dispositivos, o CPSI ajuda a reduzir o “apagão das canetas” (esse fenômeno em que gestores evitam tomar decisões com medo de punições) e a criar um ambiente mais seguro e propício à inovação.

 

Conclusão: o risco é real, mas também pode ser bem gerido

Não se trata de romantizar o risco. É claro que ele existe e que falhas devem ser minimizadas. Mas ignorar o risco não o elimina. Ao contrário, torna as contratações inovadoras mais perigosas, pois elas passam a ser feitas sem o respaldo jurídico adequado.

O CPSI oferece uma alternativa segura para lidar com esse desafio. Reconhecer o risco como parte do processo e contratá-lo de forma estruturada é um passo importante para que a administração pública possa inovar com responsabilidade.

Em tempos de transformações sociais e tecnológicas aceleradas, o maior risco pode ser justamente não inovar.

The following two tabs change content below.
Doutorando em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC). Mestre em Direito (UFSC) e Bacharel em Direito (CESUSC). Integrante do Grupo de Pesquisa VIA Estação Conhecimento. Estuda e trabalha para que o Direito cada vez mais deixe de ser visto como um muro de proteção.