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O ensino empreendedor realmente funciona?

Uma revisão das pesquisas no campo de ensino empreendedor

A importância do empreendedor para a economia, apesar de recente, já é reconhecida. Isto porque, o empreendedorismo funciona como um catalisador do crescimento econômico. Entretanto, segundo pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), há três obstáculos ao empreendedorismo: barreiras sociais e culturais, falta de capital e falta de educação.

Barreira culturais e sociais, falta de educação e falta de capital são os três obstáculos principais do empreendedorismo.

A saber o terceiro obstáculo, alega-se que a educação formal brasileira não ensina as habilidades exigidas de um empreendedor. Assim, são exemplos destas habilidades o pensamento inovador, como adquirir e alavancar recursos, trabalho em equipe e eficácia. Dessa forma, cursos focados em negócios têm mais chance de ensinar como utilizar ferramentas corporativas, do que ensinar a empreender.

Nos EUA, a fração populacional envolvida em atividades empreendedoras permanecer entre 10 e 12% nas últimas décadas. Surpreendentemente, o número de jovens, adultos e aposentados expressando interesse em abrir um negócio cresceu (GEM 2005).

Ao mesmo tempo, a oferta de cursos de empreendedorismo disparou, pelo menos a nível universitário. Numa análise mais recente, relata-se que cerca de 90% das instituições americanas de pós-graduação oferecem cursos de empreendedorismo (CONE, 2000).

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A pesquisa

Focados nessa crescente demanda e na deficiência brasileira, Rideout e Gray (2013) realizaram uma pesquisa buscando responder o questionamento: “o ensino empreendedor (E-ed) realmente funciona”?

Para isso, os autores realizaram uma revisão da literatura nos principais periódicos, dos últimos 10 anos. Estudos relevantes publicados como capítulos ou relatórios técnicos ou que não eram dos últimos 10 anos, foram incluídos na análise.

A revisão contou com 12 estudos de 1997 a 2011

A revisão foi conduzida considerando três critérios de seleção:

  1. Ser estudos de resultados e impactos na educação universitária geral e na educação technopreneurial (tecnologia + empreendedorismo).
  2. Ser estudos com objetivo expresso de E‐ed.
  3. Ser estudos empíricos que incluam alguma tentativa de fornecer um resultado contrafactual envolvendo, minimamente, uma comparação entre participantes e grupo de não participantes.

Assim, identificou-se 12 estudos empíricos referentes a E‐ed, publicados de 1997 a 2011. Destes, cinco deles limitaram-se a resultados psicossociais (como aprendizado, atitudes, intenções). E os sete incluíram resultados objetivos (como negócios iniciados e empregos criados).

E-ed na teoria

Segundo Rideout e Gray (2013), a E-ed baseia-se na falta de conhecimento e compreensão sobre o início de um negócio, e como este constitui-se como obstáculo ao empreendedorismo de todos os tipos. Para tanto, a teoria de ensino empreendedor fundamenta-se em duas teorias. São elas: na teoria do desenvolvimento humano (BANDURA, 2006) e na teoria do comportamento planejado (AJZEN, 1991). Tais teorias articulam sobre como desenvolver o comportamento empreendedor. A primeira aponta como a auto-eficácia empreendedora pode ser aprimorada por meio da E-ed, levando ao comportamento empreendedor. E a segunda cita que os comportamentos empreendedores são precedidos de intenções empreendedoras, e que estas podem ser modificadas por meio de experiências educacionais.

A influência destas teorias na E-ed torna-se evidente quando se percebe que duas das variáveis ​​de resultado mais comuns nos estudos da área, são as medidas de auto-eficácia e intenções empreendedoras. Assim sendo, apesar da teoria de E-ed ainda ser limitada, ela consegue justificar a afirmação de que intervenções educacionais podem aumentar o comportamento empreendedor.

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Modalidades de educação

A nível superior, os autores identificam na literatura que os métodos atuais de ensino parecem ser diversificados e ecléticos. Assim, duas modalidades principais de ensino empreendedor foram encontradas. Primeiramente, encontrou-se a modalidade focada na gestão de pequenas empresas. Estas têm tido como objetivo fornecer aos alunos know-how de gestão, relacionados mais as atividades de administrador. Já a segunda modalidade encontrada tem como foco o empreendimento empresarial. Esta tem como finalidade o desenvolvimento de plano de negócios, voltando-se ás atividades daqueles que desejam iniciar seu negócio. Para isto, os cursos têm a tendência de desenvolver uma maior integração de aplicações práticas. Estas integrações podem ser na forma de projetos, consultorias, estágios, simulações, entre outras. Entretanto, ainda se depende muito de palestras e estudos de caso como forma de abordar a prática em sala de aula.

Os autores ainda identificaram que cursos de empreendedorismo tecnológico devem possuir conteúdo e um enfoque pedagógico diferentes ao ensino formal. Alguns autores revisados sugerem que o ensino por meio de jogos pode melhorar a aprendizagem.

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Crítica à literatura empírica

Os autores relatam que estudos revisados envolveram públicos-alvo diversificados. Dos sete artigos que focaram em estudantes de graduação, três deles concentram-se nos estudantes de ciência e engenharia. Segundo os autores, estes têm maior probabilidade de produzir inovações radicais impulsionadas pela tecnologia. Ademais, três estudos voltaram seu olhar para MBA e outros tipos de alunos de pós-graduação. Finalmente, os dois últimos estudos avaliaram alunos de graduação e pós-graduação.

De acordo com os autores, praticamente todos os estudos tentaram controlar os efeitos demográficos correlatos, já conhecidos. Além disso, os estudos mais recentes utilizaram medidas objetivas, o que indica um amadurecimento da pesquisa em E-ed.

Estudos com resultados psicossociais

Os autores fazem diferentes críticas quanto as metodologias utilizadas nos artigos com resultados psicossociais. No primeiro, os autores apontam chances de vieses na escolha das amostras, e sugerem que cuidados devem ser tomados na interpretação dos resultados. Noutro, os autores indicam falta de poder estatístico do estudo. No terceiro estudo, eles criticam a baixa taxa de resposta após a condução do teste.

Nem os dois estudos considerados metodologicamente mais fortes escapam dos olhos críticos dos autores. Num deles, os autores indicam que não houve equivalência do construto com os demais estudos revisados, a exceção de um. Noutro, os autores sinalizam problemas quanto ao construto e sua mensuração. Isto porque o estudo não clarifica se os resultados refletem puramente o que foi aprendido no curso. Assim sendo, os resultados podem estar contaminados com experiências passadas ou não aprendidas dos participantes.

Estudos com resultados objetivos

Nos estudos com resultados objetivos, os autores apontam que há a predominância de estudos de pós-teste com grupo de comparação não necessariamente equivalente. Então, em dois estudos com resultados objetivos, os autores criticam as taxas de respostas. Em outro, é criticada a diferença drástica entre as taxas de respostas dos pré-testes dos grupos de controle e do experimental. Consequentemente, compromete-se os resultados obtidos deste estudo. No quarto estudo, critica-se a falta do relato das taxas de respostas, havendo chances de um viés de resposta diferencial.

Outros dois estudos de resultados objetivos utilizaram um projeto quase-experimental. Entretanto, um deles falhou em equivaler a um estudo de caso de um único grupo, tendo pouco valor inferencial. Quanto ao outro, têm-se preocupações quanto a sua validade interna, por dois motivos. Primeiramente, porque são relatadas diferenças significativas entre os participantes auto-selecionados e os participantes obrigatórios. E posteriormente, porque falta uma avaliação com estatísticas multivariadas.

Os dois estudos finais focaram nos resultados educacionais e de aprendizagem. Em um deles os autores apontam dois pontos fortes. São eles: a estratégia de correspondência de par combinado e as medidas adotadas para impedir o viés de resposta diferencial. E no último estudo, eles apontam que o procedimento metodológico pode ter comprometido a equivalência de grupo. Isto porque a amostra foi pequena, e porque não são explicitadas as medidas adotadas para controlar o viés de resposta. Entretanto, este último item é comum em auto-avaliações ao final de curso, segundo os autores.

O ensino empreendedor realmente funciona?

Rideout e Gary (2013) tentaram responder se o ensino empreendedor realmente funciona, e a reposta parece ser ‘não sabemos’

Segundo Rideout e Gray (2013) a pesquisa realizada mostra que ainda há muito espaço para melhorias na avaliação dos efeitos do E‐ed. Afinal, nenhum dos estudos revisados utilizarem uma metodologia estatística robusta. Segundo os autores, isto ajudaria a esclarecer as ligações entre E‐ed → mediadores psicossociais → resultados objetivos.

Estudos de resultados psicossociais     

Segundo eles, os estudos com resultados psicossociais não podem responder à pergunta ‘o que realmente funciona?’. Porém, tais pesquisa têm potencial para responder perguntas mais refinadas, como ‘Se funciona, como funciona?’. Sendo assim, Rideout e Gray (2013) sentem-se seguros em afirmar que parece haver apoio modesto à hipótese de que E‐ed afeta a auto-eficácia empreendedora. Entretanto, eles julgam que o apoio do ensino empreendedor às intenções empreendedoras é fraco.

Assim, ao tentarem responder se ’E-ed funciona, como funciona?’, a resposta fornecida pelos estudos parece ser ‘nós não sabemos’.

Estudos de resultados objetivos

Os achados dos três estudos com metodologias mais fortes foram consistentemente positivos. Estes estudos descobriram que os formados em E-ed produziam mais marcadores de sucesso empresarial do que os grupos de controle. Apesar dos resultados encorajadores, as fraquezas metodológicas ainda mantêm preocupações, principalmente, sobre os vieses de seleção. Isto é ilustrado pelos seguintes achados em dois nos estudos da revisão:

  1. Os indivíduos matriculados em um curso de E‐ed tinham intenções empreendedoras significativamente maiores do que os membros do grupo de comparação, antes do início de seu treinamento.
  2. As intenções empreendedoras antes do treinamento são o mais forte preditor das intenções após o treinamento.

Os autores consideram que a falta do uso de precursores empreendedores já identificados (como cursos anteriores, empreendedor pai, idade, gênero, conjuntos de habilidades empreendedoras e mentalidade), como co-variáveis nos estudos não há como atribuir confiança nos resultados do treinamento de E-ed produzir efeitos positivos. Inesperadamente, isto pode ocorrer simplesmente pelos empreendedores mais motivados terem buscado treinamento. Ademais, ainda pode haver uma combinação desses fatores.

Assim, os autores concluem que, embora os resultados dos estudos sejam geralmente positivos, ao tentar responder a pergunta ‘O que realmente funciona?’, mais uma vez a resposta é ‘nós não sabemos’.

Conclusões e direções futuras

Como resultado da revisão, os autores afirmam que os estudos de E-ed continuam num estágio inicial. De acordo com os mesmos, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Afirma-se que a E‐ed parece ser um daqueles fenômenos em que a prática avançou além das pesquisas que tentam explicá-la.

A revisão ainda destaca a diversidade dos métodos de ensino e das populações alvo de E-ed. A princípio, algumas evidências sugerem que as mudanças nas intenções empreendedoras podem decair com o tempo e que as mulheres podem ser menos receptivas a mudar suas intenções de empreendedorismo por meio da E‐ed. Por fim, os autores esclarecem que não há um único modelo de E-ed que servirá a todos.

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Rideout e Gray (2013) indicam quatro ações necessárias às pesquisas futuras

Assim sendo, os autores apontam que a pesquisa na área deve ser melhorada. Desse modo, são sugeridas as seguintes ações:

  • Fortalecer projetos de pesquisa com baixa capacidade de conclusão

No caso de E-ed especificamente, pesquisas de campo e circunstâncias não executam projetos de pesquisa com grande capacidade de conclusão. Para tanto, os autores sugerem:

  1. Adicionar um pré-teste em uma amostra independente de não participantes.
  2. Usar técnicas de correspondência poderosas.
  3. Realizar pesquisa com amostras grandes.
  • Usar projetos de pesquisa quase-experimentais mais poderosos

De acordo com a revisão feita, vários pesquisadores do campo falharam em utilizar com sucesso algum projeto quase-experimentais. Tais projetos apresentam grande capacidade de conclusão.

  • Usar mais projetos quase-experimentais e experimentais

Conforme os autores, isto permitiria aos estudiosos usarem métodos de descontinuidade de regressão e o delineamento experimental randomizado de tratamento tardio. Dessa maneira, poderia-se aumentar a viabilidade e confiabilidade dos estudos.

  • Começar a responder a verdadeira pergunta

De acordo com Rideout e Grey (2013), a verdadeira questão a ser respondida é: ‘que tipo de E-ed, entregue por quem, e dentro do qual tipo de universidade, é mais eficaz para este tipo de aluno, com esse tipo de objetivo e sob estes conjuntos de circunstâncias’. Isso porque, este tipo de pergunta auxilia os formuladores de políticas e grupos de interesse em suas decisões a respeito do ensino empreendedor.

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REFERÊNCIA

RIDEOUT, Elaine C.; GRAY, Denis O. Does entrepreneurship education really work? A review and methodological critique of the empirical literature on the effects of university‐based entrepreneurship education. Journal of Small Business Management, v. 51, n. 3, p. 329-351, 2013.

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André Borba Mondo

Graduando em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Dedica-se a pesquisar temas que permeiam a educação empreendedora, além de atuar apoiando o desenvolvimento de metodologias do Grupo VIA. Possui pensamento sistemático e, por consequência, preza pela lógica das coisas. andrebmondo@gmail.com

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