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Arte urbana e as interfaces tecnológicas

Nos últimos anos, a arte urbana vem se apropriando das inovações tecnológicas como forma de explorar e fortalecer as representações simbólicas e interações humanas na cidade. Em meio à cultura de rede, o urbanismo híbrido e o potencial ambiental das interfaces tecnológicas na contemporaneidade, a arte urbana combinada à tecnologia digital impulsiona a construção de cidades digitais e criativas

A chamada arte urbana digital ou arte pública midiática utiliza as tecnologias não apenas como uma ferramenta de projeto, mas sim como condição principal da obra de arte, com funcionalidades e particularidades únicas [1]. A partir de então, os recursos tecnológicos são instalados nos espaços públicos ou nas infraestruturas urbanas existentes como forma de expressão artística, criando novas possibilidades perceptivas e de vivências na cidade, de maneira mais interativa e interconectada do que anteriormente, com a arte exclusivamente analógica.

 

Crown Fountain, em Chicago. Fonte: imagem da autora, 2014.

 

A arte urbana digital pode seguir dois ideais estéticos, o esteticismo e o pragmatismo [1]. Enquanto que o primeiro se preocupa estritamente com a aparência visual e o “espetáculo” das experiências atrativas no ambiente urbano, o segundo utiliza a arte e a tecnologia como potencial criativo das cidades, instrumentos de mudança no espaço público e nas relações que nele acontecem. São as chamadas tecnologias afetivas, sociais e coletivas, que promovem a cultura e a identidade local, encorajam a conexão e o engajamento da comunidade na microescala da rua e buscam novos diálogos, por vezes críticos, com as condições concretas e normalizadas do cotidiano urbano. 

Em geral, a maioria dos projetos de arte urbana digital utiliza recursos de iluminação e projeção, com maior visibilidade durante a vida noturna da cidade. Em paralelo, a realidade aumentada, inteligência artificial e a utilização de sensores vêm ganhando espaço em diversos projetos, como apresentado a seguir. 

 

Grafites e painéis com realidade virtual

Desde que a realidade virtual tornou-se um recurso acessível nas telas dos smartphones, os artistas começaram a explorar novos formatos gráficos. Na arte urbana, alguns dos grafites nas empenas cegas ou muros da cidade podem se desdobrar em histórias que vão além de uma pintura estática [2]. Com os aplicativos de realidade virtual, o espectador pode apontar o seu celular para o grafite e assistir a imagem se movimentar, compondo diferentes narrativas urbanas nas estruturas físicas da cidade.

Além dos grafites, a realidade aumentada pode ser utilizada em outros tipos de intervenções na cidade. Em 2014, a iniciativa da Pepsi Max aplicou a realidade virtual em um painel digital de um ponto de ônibus em Londres. O painel exibia uma transmissão em tempo real de diversos eventos incomuns ou personagens inesperados na escala da rua: a aparição de um tigre andando na calçada e até discos voadores que abduziam pedestres. As imagens confundiam e surpreendiam o público no ponto de ônibus, criando experiências divertidas e inusitadas para aqueles que vivenciam o dia-a-dia na cidade.

 

Grafite virtual. Fonte: Update or Die! Disponível em: www.updateordie.com/grafite-virtual/.

 

Playable City e a inteligência artificial

Playable City é uma iniciativa que busca um olhar mais lúdico e divertido do espaço urbano, fazendo uso da arte e da tecnologia em projetos que sugerem uma nova maneira de conectar pessoas por meio do brincar. Por exemplo, o projeto Shadowing, realizado em 2014, em Bristol, e replicado posteriormente em outros locais, reproduzia as sombras dos pedestres em postes de luz instalados em lugares pouco movimentados da cidade. 

A sombra do pedestre que passava embaixo do poste de luz era memorizada e, em um intervalo de segundos, reproduzida no feixe de luz. A intervenção provocou diferentes reações aos pedestres que por ali passavam, dentre elas, brincadeiras e danças na calçada para acompanhar as sombras projetadas. 

Outro projeto interessante é o Stop, Smile, Stroll, também realizado em Bristol, porém em 2016. Com o objetivo de instigar o bom humor nas cidades, a proposta contava com painéis digitais interativos nas esquinas das travessias dos pedestres. Cada painel emitia frases convidando o transeunte a registrar o seu estado emocional naquele determinado momento. A partir de recursos de inteligência artificial, o painel capturava a expressão facial do pedestre antes dele atravessar a rua. Após a travessia, o indivíduo poderia conferir o resultado de sua expressão previamente calculada em um segundo painel, instalado do outro lado da esquina.

 

Projeto Stop, Smille, Strool, por Playable City. Fonte: Hirsch & Mann. Disponível em: www.hirschandmann.com/smiles-in-the-city/.

 

Projetos interativos com sensores 

Hoje em dia, é comum observar projetos artísticos interativos com iluminação e sensores de presença nas cidades. A obra Dune, por exemplo, é composta por uma estrutura de luz que ascende conforme um pedestre se aproxima, iluminando o caminho a ser percorrido. 

Há também projetos que incluem outros tipos de sensores. Em 2015, o arquiteto Guto Requena revestiu a fachada de um edifício ao lado de uma movimentada avenida de São Paulo com chapas metálicas pixeladas em três diferentes cores. Durante o dia, o prédio não aparentava nada incomum. Porém, ao anoitecer, a pele metálica da fachada ascendia em diferentes padrões luminosos interativos, de acordo com os sensores instalados no prédio. 

Um conjunto de sensores captava o nível sonoro ao redor do edifício, alterando em tempo real os parâmetros gráficos das luzes da fachada. Enquanto que um outro conjunto de sensores captava a qualidade do ar, modificando instantaneamente as cores da fachada e indicando o nível de poluição do ar naquele ponto da cidade.

Também foi criado um aplicativo que permitia a interação direta do público com a obra, através do toque na tela ou gravação de voz pelo celular. O projeto ficou conhecido como Criatura de Luz, uma instalação que concebe uma paisagem gráfica na arquitetura do edifício, representando visualmente dados urbanos até então invisíveis. 

 

Projeto Hortum Machina B, pelo Interactive Architecture Lab. Fonte: Interactive Architecture Lab. Disponível em: www.interactivearchitecture.org/reearth.

 

Já o projeto Hortum Machina B, realizado pelo Interactive Architecture Lab, em 2016, propõe uma escultura de um jardim móvel na cidade de Londres. A proposta baseia-se em uma grande esfera geodésica com um núcleo interno de doze módulos de jardim. Cada módulo é motorizado e conta com sensores que determinam de forma autônoma se as condições ambientais, como luz e água, são adequadas para a conservação das plantas. Caso as condições não estejam favoráveis, o módulo se estende linearmente para fora do núcleo da geodésica, permitindo que a estrutura se movimente pela cidade em diferentes direções em busca de um novo local mais favorável às plantas do jardim. 

 

Referências

[1] WRIGHT, Mark; POP, Susa; AG, Tanya; CALVILLO, Noellia. What Urban Media Art Can Do: Why, When, Where and How. Avedition GmbH, Stuttgart, 2016. ISBN-10: 3899862554 ISBN-13: 978-3899862553

[2] OGUSKO, Thiago Toshio. 2019. Grafite Virtual? Update or Die!, 2021. Disponível em:<https://www.updateordie.com/2019/10/15/grafite-virtual/>. Acesso em: jul., 2021.

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Aline de Camargo Barros

Graduada em Arquitetura (SENAC - SP) e mestranda em Design (UDESC), investiga projetos inseridos no ambiente urbano, suas diretrizes e possibilidades diante das inovações tecnológicas da realidade contemporânea, buscando um viés centrado nas necessidades e demandas do cidadão e da comunidade.

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