Coimbatore, India. Photo By Vignesh Moorthy On Unsplash

Gestão do conhecimento na governança urbana e a era digital

Um recurso intangível para apoiar a governança urbana 

O conhecimento e sua gestão, com foco na criação, circulação e utilização deste recurso intangível no desenvolvimento urbano, têm recebido crescente destaque nas discussões e debates em âmbito acadêmico e na esfera do poder público, embora com ênfases variadas e de forma fragmentada. A gestão do conhecimento na governança urbana está se transformando pela digitalização e o uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs), as quais se apresentam como importantes instrumentos para lidar com a crescente complexidade das demandas urbanas, enfrentar as desigualdades sociais e os principais desafios na área ambiental e econômica.

A gestão do conhecimento é parte essencial das discussões sobre como o conhecimento pode melhorar as competências do governo local, tornar o planejamento urbano mais baseado em conhecimento e proporcionar maior valorização do conhecimento dos cidadãos (accountability). Os governos locais precisam desse instrumento para lidar com as dificuldades do espaço urbano contemporâneo.

Uma das grandes preocupações nesse contexto é compreender quais atores estão envolvidos na tomada de decisão e na elaboração de políticas municipais e, então, identificar o poder que eles efetivamente possuem para expressar suas prioridades, ideais e experiências, garantindo a inclusão social. Existe nesse campo, por um lado, uma dinâmica ativa entre entidades públicas e privadas e, por outro, a relação entre o poder público e a sociedade civil.

A governança urbana

A governança urbana é a capacidade de agir na complexidade social com diferentes partes interessadas se fortalecendo mutuamente ao unir recursos, habilidades e propósitos. Burnar (2011) desta que, embora necessária, sua efetivação depende da superação de algumas barreiras que podem obscurecer a questão central da governança como, por exemplo, identificar:

  • Responsabilidades e papéis: quem é responsável pelo o quê;
  • Potenciais conflitos de objetivos: quais são os objetivos e quais devem ser trabalhados primeiro (hierarquia);
  • Legitimidade e representação: quem está representando quem e com base em qual “mandato”.

No momento atual, a governança urbana deve concentrar seus esforços no fortalecimento da cidadania, na substituição de políticas universalistas por políticas mais direcionadas e adequadas a cada contexto, além de na boa integração entre diferentes atores e entidades sob uma visão única partilhada de desenvolvimento. Isso dependerá primordialmente de cooperação, compartilhamento de poder e responsabilização, tanto de forma horizontal quanto de forma vertical entre cidadãos, autoridades e políticos.

O conhecimento na governança urbana

De forma geral, o conhecimento ainda desempenha um papel limitado na governança urbana. Hordjik e Baud (2006) destacam que um primeiro problema é fato de que o conhecimento tende a permanecer onde foi gerado. A situação é agravada porque administradores públicos e políticos buscam ouvir pesquisadores e consultores muito mais do que outros atores do espaço urbano, priorizando um conhecimento especializado ou conhecimento técnico enquanto se menospreza o conhecimento e a experiência real dos residentes locais.

O conhecimento local, embora não seja técnico ou especializado, pode contribuir para a construção de uma visão realista da vida urbana e das necessidades dos habitantes, além de o envolvimento direto da população contribuir para a apropriação dos projetos e políticas elaboradas (senso de pertencimento). Não reconhecer a importância da participação cidadã na política urbana aumenta ainda mais a distância entre os planejadores, pesquisadores e políticos e os moradores da cidade.

Outro problema é a tendência a focar na informação e não no conhecimento sobre a cidade. Grande parte dos dados e informações coletadas em domínio público são organizadas em bases setoriais, satisfazendo necessidades básicas de informação, mas sem boa contextualização ou o desenvolvimento de inter-relações necessárias entre atores, setores e políticas para que haja uma visão aprofundada e holística da cidade que permita maior eficiência e eficacia na gestão urbana (HORDIJK; BAUD, 2006).

Questões emergentes da governança urbana na Índia, Brasil, África do Sul e Peru

Baud et al (2014) desenvolveram estudo de caso em seis cidades de tamanho médio na Índia, África do Sul, Brasil e Peru, as quais participam da rede de pesquisa Chance2Sustain, com o objetivo de analisar como a gestão do conhecimento na governança urbana está sendo transformada pela digitalização. A pesquisa se concentra especificamente na gestão do conhecimento com um papel central, seja no interior do governo ou em sua interface com os cidadãos. Os dados foram coletados por meio de entrevistas estruturadas e informais com atores-chave pela equipe de pesquisa. Além disso, alunos de pós-graduação realizaram um trabalho de campo de 2 a 3 meses nas várias cidades envolvidas em tópicos semelhantes aos da coleta principal.

Os autores apresentam as quatro principais razões pelas quais as cidades adotaram a gestão do conhecimento baseada em TICs com a digitalização e espacialização da informação: planejamento urbano estratégico e planejamento integrado do uso da terra; determinar limites geográficos no desenvolvimento urbano como uma pré-condição para o planejamento eficaz; simplificar os processos de trabalho dos governos locais e suas relações com outros níveis de governo, os cidadãos e o setor privado e, por fim, mapear a pobreza e levantar necessidades.

Dentre suas descobertas está a de que vínculos para colaboração e atuação em rede com atores institucionais de conhecimento, tais como universidades e atores da sociedade civil no desenvolvimento da gestão do conhecimento são os mais fracos.  Além disso, os efeitos da gestão do conhecimento baseada em TICs com a digitalização e espacialização da informação são desiguais. Apesar de aumentar a eficiência do trabalho do governo, apresenta interação com os cidadãos somente por meio do aumento do acesso à informações/uso de canais de informação e por meio de sistemas de feedback ao governo. Essa ainda atinge principalmente a classe média, em função da possibilidade de acesso às mídias digitais, enquanto a participação dos cidadãos de baixa renda continua ocorrendo somente por meio de representantes políticos, determinando a exclusão dos pobres.

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De forma positiva, a digitalização fornece aos governos possibilidades de simplificar seus processos de trabalho, diminuir custos, reduzir práticas de corrupção e diminuir a influência política na tomada de decisão sobre o espaço urbano. Porém, esses são benefícios internos que, embora também beneficiem o cidadão, não o aproximam da participação na política urbana. A principal conclusão dos autores foi que ainda há muita desigualdade nestes processos, sendo necessário um grande esforço para implementar a gestão do conhecimento digitalizada e espacializada de tal forma que se incluam os cidadãos e seus conhecimento de forma efetiva na política urbana das cidades em economias emergentes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUD, I.; SCOTT, D.; PFEFFER, K.; SYDENSTRICKER-NETO, J.; DENIS, E. Digital and spatial knowledge management in urban governance: Emerging issues in India, Brazil, South Africa, and Peru. Habitat International, v. 44, p. 501-509, 2014.

BUNAR, N. Urban development, governance and education: The implementation of an area-based development initiative in Sweden. Urban Studies, v. 48, n. 13, p. 2849-2864, 2011.

HORDIJK, M.; BAUD, I. The role of research and knowledge generation in collective action and urban governance: How can researchers act as catalysts?. Habitat International, v. 30, n. 3, p. 668-689, 2006.

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É advogada urbanista, pesquisadora, mestre e doutoranda pela Universidade Federal de Santa Catarina com estágio doutoral na Sapienza Università di Roma. Atua na intersecção entre cidades, inovação e sustentabilidade. agathadepine@gmail.com