Figura 1 - Imagem De Penela. Fonte: Turismo Centro Portugal.

Formação de ecossistemas de inovação em três municípios de Portugual

Olá, entusiasta da inovação. Neste post iremos apresentar um estudo que analisou a formação de ecossistemas de empreendedorismo e inovação em cidades de baixa densidade demográfica de Portugal. A partir desse estudo, podemos compreender quais são as particularidades que podem ser observadas em processos de formação de ecossistemas de empreendedorismo e inovação nesses territórios. Além disso, podemos analisar quais foram as estratégias utilizadas para promover o desenvolvimento desses ecossistemas, suas facilidades, dificuldades e o que houve em comum durante esse processo.

Os ecossistemas de inovação analisados

O estudo apresentado neste post é um resumo do artigo intulado Estratégias de formação de ecossistemas de empreendedorismo e inovação: framework conceitual a partir de casos portugueses, autoria de Daniela Fantoni Alvares do Instituto Federal de Minas Gerais e de Ana Isabel Dias Daniel, Celeste Maria Dias de Amorim Varum e Anabela Botelho da Universidade de Aveiro localizada em Portugal. O artigo foi publicado na revista RISUS – Revista de Inovação e Sustentabilidade em 2020. Para realizar o estudo, as pesquisadoras entrevistaram nove stakeholders diretamente envolvidos com os projetos em análise.

As autoras analisaram o processo de formação de três ecossistemas de empreendedorismo e inovação que iniciaram a partir dos seguintes projetos:

  • Parque Tecnológico do Vale do Tejo na cidade de Abrantes;
  • Living Lab Beira da Cova na cidade de Fundão;
  • Habitat de Inovação Empresarial nos Setores Estratégicos – HIESE na cidade de Penela.

O foco das autoras foi estudar ecossistemas de inovação de cidades do interior que possuem uma baixa densidade demográfica e que estão sofrendo com o êxodo da população ao longo dos anos. Abrantes possui 35.890 habitantes, Fundão tem 27.039 habitantes e, Penela possui uma população de apenas 5.485 pessoas e, crescimento efetivo negativo da população de -1,2% anual.

Segundo relato das autoras, a questão demográfica é complexa e, para tanto, necessita de políticas públicas de longo prazo. Essas políticas precisam estar alinhadas com estratégias que possibilitem a criação de condições para que as pessoas do município permaneçam lá, assim como para a atração de pessoas de fora.

O ecossistema de empreendedorismo e inovação de Abrantes

Como relato no estudo, os três municípios desenvolvem projetos de empreendedorismo e inovação, por meio de parcerias. O Parque Tecnológico do Vale do Tejo em Abrantes, conhecido como Tagusvalley, surgiu em 2004. O ecossistema de Abrantes é formado por uma incubadora de empresas, uma entidade do ensino superior, uma entidade do sistema de formação profissional, dois laboratórios de transferência de conhecimento, três associações regionais e 37 empresas incubadas. A Tagusvalley fomenta os seguintes setores: Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), Energia, Metalmecânica e Agroalimentar.

A partir da sua atuação, a Tagusvalley apoiou a criação de 69 empresas que faturaram 50 milhões de euros, no período 2010/2018; criou cerca de 140 novos postos de trabalho; implementou, como promotora ou parceira, dezenas de projetos de pesquisa com e para as empresas e, atuou na parceria para a formação de centenas de jovens e adultos.

O contexto de criação do Tagusvalley envolveu três parceiros estratégicos, a Câmara Municipal de Abrantes; a Associação Empresarial da Região de Santarém – NERSANT; e, o Instituto Politécnico de Tomar. Cabe ressaltar que o Tagusvalley se constitui como uma associação de direito privado, sem fins lucrativos.

Além da promoção da inovação e do empreendedorismo, a formação do ecossistema de Abrantes visa manter a coesão social e territorial do município. A coesão social, segundo explicitado pelas autoras, tem relação com a capacidade que os indivíduos possuem de se manterem integrados/unidos ao grupo social que participam. Por sua vez, a coesão territorial é um conceito que envolve: qualidade territorial (qualidade de vida e acesso a equipamentos/infraestrutura); eficiência territorial (competitividade econômica, capacidade de cooperação e resiliência, uso eficiente/racional de recursos naturais); e, identidade territorial (capital social, visões partilhadas de futuro e capacidade de realizar prospecção).

A reabilitação urbana também foi outra preocupação na formação do ecossistema de inovação. Houve melhoria de espaços abandonados e revitalização de equipamentos e estruturas. Por fim, a sustentabilidade também foi um tema perseguido, com o ecossistema trabalhando conceitos de smart cities e os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (ODS).

Facilitadores e barreiras

Segundo as autoras, as maiores dificuldades de criação do Tagusvalley estão ligadas a questões políticas e a fixação de talentos no território. Já os elementos que facilitaram o processo foram a capacidade financeira inicial do município, juntamente com a presença de investimentos e dos fundos públicos.

Figura 1: Imagem de Abrantes. Fonte: Viver no Centro de Portugal.

Fundão

O ecossistema de inovação de Fundão foi liderado pelo Living Lab Cova da Beira que é formado por um consórcio do poder público municipal em parceria com empresas, universidades, bancos e instituições públicas e privadas. O Living Lab Cova da Beira surgiu em 2013, e possui como premissas a captação de investimento, a criação de emprego e a fixação de pessoas na região.

Os serviços ofertados são: incubadora a Praça; cowork Fundão; Fab Lab Aldeias do Xisto; Centro de Formação Avançada; Casa-Oficina; Escola Aldeia; Pólo de investigação e desenvolvimento em telemonitorização para a saúde; Clube de Produtores; e, Centro de Negócios e Serviços.

Aliado a construção desse ambiente de inovação, os gestores públicos incentivaram a reabilitação dos espaços urbanos e na ocupação do centro da cidade. Como fatores diferenciados, as autoras relatam que o acolhimento as novas pessoas de outros locais que se inserem no ecossistema, como a hospitalidade e o bem receber foi uma preocupação dos gestores. Por exemplo, no Living Lab Cova da Beira, há uma equipe responsável pela recepção e facilitação dos novos moradores em relação à moradia, escolas e outras burocracias. Outra aposta estratégica dos gestores, é a captação de empresas a partir do discurso da qualidade de vida da cidade.

Dessa forma, as autoras identificaram que Fundão teve como estratégia a criação de um ecossistema de inovação baseado na requalificação urbana e fixação de moradores no centro da cidade; a atração de pessoas e empresas de fora, a partir dos pressupostos da qualidade de vida; e, a hospitalidade para com os novos funcionários de outras cidades/países.

Facilitadores e barreiras

Entre os elementos facilitadores para a formação do ecossistema de Fundão, um dos entrevistados do estudo destacou a liderança política, devido a visão e confiança das equipes e nas pessoas. As barreiras iniciais eram a descrença e desconfiança da população local, uma vez que o projeto tinha ligação direta com tecnologia e robótica, e em um território rural, a comunidade não conseguiu compreender o sentido do projeto. No entanto, assim que começaram a aparecer os resultados, e postos de trabalho de tecnologia foram criados, esse cenário inicial foi alterado, se tornando um facilitador.

Figura 2: Imagem de Fundão. Fonte: revista Volta ao Mundo (número 303).

Ecossistema de inovação de Penela

O ecossistema de inovação de Penela é liderado pelo Habitat de Inovação Empresarial nos Setores Estratégicos – HIESE, uma incubadora de empresas criada em 2016, a partir de uma parceria entre a Câmara Municipal de Penela e o Instituto Pedro Nunes – IPN.

Um dos programas de referência desenvolvido pela incubadora foi o Smart Rural, Smart HIESE que foi um programa estruturante de suporte ao empreendedorismo e à inovação rural com duração de dois anos (06/2017 a 06/2019).

O Smart Rural, Smart HIESE possui 6 setores estratégicos: (i) agroindústria, (ii) floresta, (iii) energias limpas, (iv) Tecnologias de Informação, Comunicação e Eletrônica – TICE para serviços sociais, (v) serviços ambientais e (vi) produtos e serviços para turismo.

Facilitadores e barreiras

Ao discorrer sobre as dificuldades do trabalho em rede, um dos entrevistados do estudo relatou que há dificuldades, mas que é preciso diferenciá-lo dos obstáculos. No entanto, não ficou claro no estudo qual a percepção de diferença e qual exatamente era a barreira que foi enfrentada. Uma das facilidades identificadas no processo de criação do HIESE foi a relação construída entre os parceiros, assim como a importância do Instituto Pedro Nunes.

Figura 3 – Imagem de Penela. Fonte: Turismo Centro Portugal.

Pontos de observação dos três ecossistemas de inovação

A partir dos estudos de caso realizados, as autoras identificaram alguns pontos que foram comentados na publicação. Um resumo dos pontos observados foi que todos os ecossistemas tiveram parceiros estratégicos para sua operacionalização, mas foram desenvolvidos por meio do modelo top-down, onde há a centralização das decisões em algum ator. Quem teve esse papel de aglutinação das iniciativas nos três municípios foi a câmara municipal. Assim, as autoras destacam a importância do governo para o desenvolvimento desses ecossistemas, mas que deve contar com a participação de diversos atores parceiros na tomada de decisões para sua viabilização.

Outro ponto importante levantado, foi que mesmo com a universidade sendo um ator fundamental no ecossistema de inovação, nos três municípios esse ator não foi o parceiro mais estratégico e essencial na formação do ecossistema de inovação. Assim, as parcerias governo e terceiro setor foram mais exploradas, havendo uma necessidade de maior aproximação da academia com esses ecossistemas de inovação.

Empresas âncoras também ajudaram no processo de formação do ecossistema de alguns municípios, uma vez que, foram responsáveis por gerar emprego e validar projetos, contribuindo com resultados que geraram confiança na comunidade local contribuindo para superar a descrença inicial. Outra estratégia identificada como benéfica no estudo, foi a criação de uma economia compartilhada, que envolve o compartilhamento de recursos humanos e físicos.

A visão de médio e longo prazo foi identificada nos ecossistemas de Abrantes e Fundão que desenvolveram trabalho com crianças e jovens na área de programação e empreendedorismo, visando formar uma cultura empreendedora e inovadora para o futuro. Também adotaram estratégias de reabilitação urbana no processo de criação/instalação dos projetos. Já Penela apostou nos congressos e workshops para formação de recursos humanos.

Em resumo, as autoras apontaram os seguintes aspectos importantes para formação de ecossistemas de inovação nesses locais:

  • discurso da qualidade de vida que pode ser observado na fala de alguns dos entrevistados no Fundão;
  • valorização de recursos endógenos, que podem ser observados nos três casos de estudo, e o desejo de transformar o território rural em smart, aspecto que aparece em Penela;
  • o elemento hospitalidade, no processo de recebimento de novas empresas/funcionários, que pode ser identificado no Fundão;
  • as críticas a hélice tríplice, uma vez que esta é realmente difícil de ser operacionalizada;
  • a preocupação com o desenvolvimento da coesão social e territorial, conforme comentado por um dos entrevistados em Abrantes.

A Figura 4 apresenta um resumo do apontamentos realizados no estudo.

Figura 4 – Resumo dos aspectos encontrados nos ecossistemas de inovação. Fonte: Alvares; Daniel; Varum e Botelho (2020).

FRAMEWORK CONCEITUAL

A partir dos três estudos de caso, Alvares, Daniel, Varum e Botelho (2020, p.117) criaram um framework conceitual onde estabeleceram os seguintes pressupostos:

  1. Em territórios de baixa densidade demográfica, nos quais pode haver recursos financeiros escassos, os projetos associados ao desenvolvimento de ecossistemas de empreendedorismo/inovação devem potencializar os usos e a recuperação de prédios/áreas degradadas, a partir de programas de reabilitação urbana;
  2. Nas áreas com carência de recursos humanos, caso bastante comum em territórios de baixa densidade demográfica, é essencial realizar investimento em capacitações de forma estratégica (visão de curto/médio/longo prazos), por meio de políticas públicas efetivas de qualificação e formação desses recursos em áreas chave para o desenvolvimento do tecido econômico;
  3. Nos territórios de baixa densidade demográfica, há a necessidade de superar o gap entre o discurso e a efetiva promoção de qualidade de vida, a partir da promoção de políticas públicas, entre estas: saúde, bem-estar, cultura e lazer, mobilidade, entre outras, de forma a aumentar a atratividade dos territórios;
  4. A hospitalidade deve ser estimulada nos territórios de baixa densidade demográfica, a partir de programas de fomento à cultura da hospitalidade, tendo por foco relações harmônicas entre comunidade local e empresas/empreendedores/funcionários que venham a se inserir nos ecossistemas de empreendedorismo e inovação, assim como o bem receber (empresas/clientes);
  5. A valorização dos recursos endógenos deve ser utilizada como forma de fortalecer a identidade cultural dos territórios de baixa densidade demográfica, assim como de promover elementos de diferenciação dessas áreas, agregando valor aos produtos/serviços locais.
  6. Em territórios de baixa densidade, é essencial promover a regeneração do tecido econômico e a revitalização de empresas locais, a partir da criação de empresas e do estímulo ao empreendedorismo e à inovação, possibilitando o aumento da competitividade e a geração de emprego/renda.

Na figura 5, é possível observar o framework conceitual criado pelas autoras para facilitar o processo de formação de ecossistemas de inovação e empreendedorismo.

Figura 5 – Processo de formação de ecossistemas de empreendedorismo e inovação em territórios de baixa densidade demográfica. Fonte: Alvares; Daniel; Varum e Botelho (2020).

Conclusão do estudo

As autoras concluem o estudo relatando que algumas premissas para criação de ecossistemas de inovação em cidades de baixa densidade demográfica são a criação de um ambiente que atraia novas empresas e que consiga reter os jovens. Além disso, também é preciso investir em processos sustentáveis com base no tripé: ambiental, sociocultural e econômico; promoção da qualidade de vida, a partir dos projetos, com transbordamentos para os territórios em que se inserem; projetos empreendedores, a partir do suporte à sua criação e implementação; realização de trabalhos colaborativos com a formação e/ou fortalecimento de rede de stakeholders, assim como a construção de redes de conhecimento para estímulo a inovação e incremento da economia compartilhada.

A partir dos estudos de caso, observou-se que a rede de cooperação entre diversos atores sociais/entidades foi um dos elementos primordiais que possibilitou a criação e implementação desses projetos. O governo foi fundamental ao fornecer financiamento para criação e manutenção desses ecossistemas e para construção/revitalização de prédios para abrigá-los.

As autoras finalizam o estudo ressaltando que não existem estratégias padronizadas para desenvolver ecossistemas de empreendedorismo e inovação, uma vez que, cada região é diferente da outra e possui especificidades. Mas há estratégias que precisam ser trabalhadas e que orientam a formação desses ecossistemas.

Desta forma, são demandadas aos gestores públicos a criação e execução de políticas públicas, entre estas, programas de reabilitação urbana; políticas de qualificação e formação de recursos humanos; políticas de promoção de qualidade de vida; programas de fomento à cultura da hospitalidade; programas de incremento aos usos de recursos endógenos e programas de apoio ao empreendedorismo e à inovação.

Referência

ALVARES, Daniela Fantoni; DANIEL, Ana Isabel Dias; VARUM, Celeste Maria Dias de Amorim; BOTELHO, Anabela. ESTRATÉGIAS DE FORMAÇÃO DE ECOSSISTEMAS DE EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO: framework conceitual a partir de casos portugueses. Journal On Innovation And Sustainability Risus, [S.L.], v. 11, n. 4, p. 101-126, 8 jan. 2021. Pontifical Catholic University of Sao Paulo (PUC-SP). http://dx.doi.org/10.23925/2179-3565.2020v11i4p101-126.

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Guilherme Paraol

Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) e membro do grupo de pesquisa VIA - Estação Conhecimento. Realiza pesquisas com foco em ecossistemas de inovação. Atua em diversos projetos de inovação.