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A importância de uma perspectiva multinível para os ecossistemas de inovação

Alinhamento interno e externo do ecossistema

Olá, tudo bem? O post de hoje descreve a importância de uma perspectiva multinível para o desenvolvimento dos ecossistemas de inovação. Tal perspectiva foi desenvolvida pelo autor Walrave et al. (2018). Dessa forma, o post visa sublinhar a importância do alinhamento interno dos atores do ecossistema. Mas, principalmente, da preparação do ambiente externo para receber inovações totalmente novas.

De fato, o alinhamento interno dos atores é fundamental para a criação de valor no ecossistema de inovação. No entanto, o sucesso de um ecossistema também depende de sua viabilidade “externa”. Esta viabilidade é determinada por um ambiente sócio técnico amplo. Isto é, inovações disruptivaas desafiam regras estabelecidas, artefatos e hábitos que tendem a ser resistentes as mudanças. Portanto, a superação dessa resistência pelo ecossistema é um grande desafio.

Por que considerar o ambiente externo?

Ás vezes, mesmo com alinhamento interno de atores, e sucesso na cocriação de um produto, o mesmo não se torna comercializável. Por exemplo, a empresa de tecnologia Better Place desenvolveu um serviço exclusivo de carro elétrico com bateria selecionável. Mesmo liderando um ecossistema que integrava atores como fabricante de baterias, de automóveis, uma rede de comutação, e elementos de software e hardware, a empresa faliu devido ao pequeno número de vendas. Assim, apenas o desenvolvimento do ecossistema interno eficaz não foi suficiente para o sucesso do negócio.

Um dos principais motivos pelos quais esses sistemas fracassam é porque as proposições de valor pioneiras muitas vezes encontram forte resistência social. Isso acontece, porque a proposta de valor entra em conflito com o regime sociotécnico vigente. Ou seja,  as regras, artefatos e hábitos que estruturam a viabilidade econômica e a vida social em um domínio particular (por exemplo, transporte urbano, aquecimento doméstico, etc).

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Portanto, tais inovações precisam adotar estratégias específicas que aumentem a probabilidade de os atores sociais aceitarem e adotarem a proposta de valor do ecossistema. Assim, buscando superar esses desafios, Walrave et al. (2018) introduziu o conceito de desenvolvimento externo do ecossistema. De tal modo que, este desenvolvimento se refere a esforços direcionados para aumentar a viabilidade do ecossistema em seu ambiente sócio técnico mais amplo.

Proposta de valor

A proposta de valor (PV) o elemento definidor comum de um ecossistema de inovação. Assim, a PV pode ser vista como uma declaração sobre a ação (a ser) executada. Ainda, pode versar sobre o desempenho alcançado para os usuários finais, quando as contribuições dos atores na rede do ecossistema são bem-sucedidas.

A proposta de valor só é alcançada quando considerada todas as etapas do desenvolvimento de uma nova inovação. Ou seja, até o ponto de vista o usuário final. De fato, isso é importante porque permite a nova aplicação ser realmente utilizada pelo cliente.

Assim, a proposta de valor deve estar alinhada com os atores de todo o ecossistema. Uma vez que, qualquer desalinhamento por qualquer tipo de ator, irá implicar no desenvolvimento do ecossistema de inovação. Assim, Walrave et al. (2018) definem ecossistema de inovação como:

uma rede de atores interdependentes que combinam recursos e/ou recursos especializados e complementares na busca de (a) co-criar e entregar uma proposta de valor abrangente aos usuários finais e (b) apropriar os ganhos recebidos no processo.

Como criar uma proposta de valor em comum

A maioria dos ecossistemas de inovação precisa de uma entidade que orquestre a integração do ecossistema e construa sua proposta de valor. Dessa maneira, a orquestração é frequentemente assumida por um inovador central no ecossistema – o chamado ator focal. Além da PV, o orquestrador tem que elaborar o modelo ecossistêmico (ME). Assim, este modelo se refere à estrutura de como o ecossistema cria e distribui valor, e como o valor é apropriado pelos atores.

Dessa forma, o ator orquestrador do ecossistema é fundamental. Isso ocorre porque ele pode desenvolver uma consciência de como um ecossistema funcional pode se comportar para a realização de uma PV específica. Além disso, pode escolher padrões tecnológicos; quais atores e tecnologias presentes nos ecosssitemas de inovação.

Para tanto, precisa coordenar o alinhamento em relação às atividades contribuídas pelos atores envolvidos. Assim como, compreender os fluxos de recursos no ecossistema. Deve estabelecer os recursos e regras a serem compartilhadas entre os atores. Ainda, projetar um sistema de incentivo para atrair novos atores. Também, assegurar mecanismos justos de apropriação de valor. E, por fim, mas não menos importante, estabelecer mecanismos que levam à autorrenovação contínua do ecossistema.

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Tanto a proposta de valor, quanto o modelo ecossistêmico, podem e devem ser manipulados para que aumentem o alinhamento interno do ecossistema.

Viabilidade externa

Alcançar o alinhamento interno é, no entanto, apenas um lado da moeda. Assim, outro grande desafio é alcançar a viabilidade dos ecossistemas de inovação em seu ambiente sócio técnico mais amplo. Este ambiente externo, vai além das dimensões do usuário e do mercado. Portanto, incluem políticas públicas e instituições, infraestrutura, discurso cultural e redes de manutenção. Além disso, pode não haver mercados estabelecidos e preferências do usuário. Por fim, o processo de adoção em si não é direto. Uma vez que, os usuários precisam integrar a solução inovadora em sua infraestrutura, práticas, organizações e rotinas. Desse modo, tudo isso envolve ajustes e tempo.

Por exemplo, no contexto da mobilidade, o atual regime sociotécnico implica veículos baseados em motores de combustão interna. Assim como, os padrões de comportamento e infraestrutura habilitados e apoiados por este regime acomodam e priorizam essa abordagem específica à mobilidade. Isso, por sua vez, inibe qualquer desenvolvimento que não esteja alinhado com o regime.

Ao desenvolver o ecossistema para uma inovação disruptiva, o alinhamento interno não é, portanto, suficiente. Assim um ecossistema de sucesso também surge de sua aptidão sócio-técnica ou viabilidade externa. Consequentemente, o desenvolvimento externo do ecossistema refere-se à interação do empreendimento focal e outros atores-chave com seu ambiente de seleção sócio-técnica, a fim de aumentar a viabilidade externa do ecossistema.

Como desenvolver essa viabilidade

Com base no contexto apresentado, Walrave et al. (2018) desenvolveu uma estrutura sistêmica que considere o desenvolvimento interno e externo do ecossistema. O autor fez isso a partir do discurso do gerenciamento de nicho estratégico (GNE). O argumento central do GNE é que os atores que operam em um determinado domínio tecnológico futuro (precisam) coletivamente manter um nicho (sóciotécnico. Este tipo particular de nicho é, portanto, um grupo multifuncional, consistindo não apenas de ecossistemas de inovação diferentes, mas também de, universidades, cientistas, ONGs, associações e formuladores de políticas.

A literatura GNE sugere quatro princípios estratégicos para desenvolver e comercializar inovações disruptivas. Assim, os atores deste nicho devem:

  • participar de experimentos sócio técnicos;
  • manter uma base de conhecimento coletivo;
  • convergir seus esforços para conseguir que a tecnologia seja amplamente adotada;
  • alcançar e aproveitar medidas de proteção que ajudem a sustentar o nicho e seus participantes.

Assim, Walrave et al. (2018) argumenta que tais princípios formam a base para manipular a PV e o ME para alcançar a viabilidade externa do ecossistema de inovação. Desse modo, esta ação “externa” é orientada pelo feedback.

Viabilidade externa e experimentação sócio técnica

O feedback pode ser feito por meio de casos-piloto, laboratórios vivos, testes de usuário e outras formas de experimentação sócio técnica. Assim, ao apresentar a proposta de valor e o modelo ecossistêmico a possíveis usuários, formuladores de políticas e organizações de apoio, o orquestrador pode identificar facilitadores potenciais, bem como barreiras.

Isso foi o que fez a empresa Qurrent. Assim, seu objetivo foi entender qual PV poderia obter a maior adoção. Além disso, qual segmento de usuários precisaria atingir, e quais os atores viáveis ​​a serem incluídos no ecossistema. Esta “ida a campo”, pode também aumentar o interesse sobre o ecossistema está oferecendo. Assim, pode servir para aumentar a aceitação e a legitimidade da PV, levando gradualmente o ambiente a se adaptar.

Portanto, o desenvolvimento da PV e ME de forma iterativa, informado pelo feedback, serve para aumentar a viabilidade externa do ecossistema.

Viabilidade externa e aprendizagem interlocal

São necessárias inúmeras interações para realizar a experimentação socio técnica por meio do feedback. Isso pode esgotar os recursos internos do ecossistema. Então, é preciso ter uma aprendizagem interlocal. Ou seja, aprender com as lições de outros em outros contextos locais.

Esse tipo de aprendizado pode ser de natureza recíproca, quando os atores descobrem e misturam conhecimentos e habilidades em interações repetidas. A aprendizagem local de cada ator é então estendida para uma aprendizagem mais distante, que beneficia todas as partes. Assim, é mais provável que a aprendizagem recíproca aconteça com a ajuda de um facilitador terceirizado, como uma associação industrial ou uma agência governamental.

Portanto, desenvolver a PV e o ME aprendendo com as experiências de outras organizações que foram pioneiras, serve para aumentar a viabilidade externa do ecossistema.

Assim como, alinhar a PV e o ME com a trajetória de desenvolvimento que está surgindo no nicho sócio-técnico serve para aumentar a viabilidade externa do ecossistema.

Sustentando o desenvolvimento do ecossistema

Qualquer nicho emergente precisa de proteção em seus estágios iniciais. Desse modo, a proteção pode vir em formas financeiras e não financeiras. Os primeiros podem tomar forma como subsídios, benefícios fiscais, doações ou mecanismos de estímulo ao mercado. Por exemplo, apoio do governo para geração de energia renovável em larga escala.

Formas não financeiras de proteção incluem, por exemplo, apoio a políticas, requisitos legais, educação e avaliação pública. Por exemplo, os programas de educação empresarial geridos pelo Instituto Europeu de Inovação e Inovação Tecnológica. De fato, é necessário tempo para que o orquestrador e seu ecossistema se desenvolvam, aprendam e cresçam.

Portanto, o uso de esquemas de proteção serve para aumentar indiretamente a viabilidade externa do ecossistema.

Conclusão

Mais especificamente, na primeira interface de feedback, os atores do ecossistema interagem diretamente com o ambiente sócio técnico por meio de atividades de experimentação. A experimentação sócio técnica informa ainda as mudanças na proposta de valor e no modelo ecossistêmico, além de exercer influência sobre o ambiente externo.

Além disso, o orquestrador pode atrair atividades de desenvolvimento de ecossistemas de inovação de seus pares por meio da aprendizagem interlocal (segunda interface de feedback). Isso pode resultar na convergência de determinadas PVs e/ou MEs (terceira interface de feedback).

Assim, o desenvolvimento de ecossistemas de inovação a partir destes três níveis é ativado por mecanismos de proteção e disposição de recursos. Normalmente, atribuído pela primeira vez ao nicho como um todo, e, em seguida, explorada pelo orquestrador e outros atores para sustentar o desenvolvimento de seus ecossistemas de inovação.

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Referências

WALRAVE, Bob et al. A multi-level perspective on innovation ecosystems for path-breaking innovation. Technological Forecasting And Social Change, [s.l.], v. 136, p.103-113, nov. 2018. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.techfore.2017.04.011.

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Guilherme Paraol

Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC) e membro do grupo de pesquisa VIA - Estação Conhecimento. Realiza pesquisas com foco em ecossistemas de inovação. Atua em diversos projetos de inovação.